8.9.23

Fala-me de metáforas

The Smile, “Pana-vision”, in https://www.youtube.com/watch?v=Bi5IIMN40aE

Junta as palavras a esmo e empresta-lhes coreografias, cálices de vinho fresco, o entardecer enamorado, a doçura da boca, a volúpia prometida. Dança sobre as palavras, os gestos aveludados caindo sobre o papel branco que serve de chão, o palco onde ensaias as metáforas. 

Dizes: “temos que dar riqueza às palavras, resgatá-las da anemia, entronizar as metáforas.”

Subimos ao promontório onde apanhamos as coisas extintas. Vemos o mar, como se perde no horizonte, ou como o horizonte se encontra com o mar e lhe dá vida. Não podemos deixar de falar de fusão. De como a fusão legitima as diferenças e como é através dela que cada um se cumpre. Encontramo-nos a meio de um diadema. Se as palavras fossem apenas motes, não diríamos muito. Preferimos as palavras desprendidas, sabê-las como património único e de como são entendidas pluralmente: elas não têm um só sentido, e com isto desmentimos dicionários. Assumimos o risco. Nosso é o soldo de falarmos através de metáforas. Ao contrário do que diriam os patronos das convenções, não nos escondemos das palavras.

Dizes: “se pudéssemos, escrevíamos um dicionário de metáforas. Só para fazer as pazes com os dicionários. Mas estaríamos a trair as metáforas.”

Algumas foram as vezes em que abraseámos a noite com a caução do nosso fervor. Fomos a sua fogueira. Os nossos corpos eram as centelhas que emprestavam claridade à noite submissa, éramos como luas que caiavam o crepúsculo. Não queríamos substituir a noite. Sabemo-la imaterial. Procurávamos uma defesa contra o sortilégio da noite. Descobrimos o segredo: refugiámo-nos nos corpos recíprocos, superando a medida do tempo que se descontinuava quando hibernamos no impudor do deleite. Os nossos corpos não eram metáforas; ou talvez fossem, se nos detivéssemos para pensar no assunto.

Dizias, então: “oxalá sejamos mecenas da vontade intrínseca e apenas a nós seja passada procuração para sermos diligentes. Não deixemos que o futuro adultere o sangue presente. Não queremos ser reféns da matéria imprópria que é o futuro. Nem que seja preciso uma constelação de metáforas que seja o armário onde nos saciamos quando forem levados à nossa presença atentados contra o idioma.”

E eu dizia que sim. Sem ser uma metáfora.

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