4.9.23

Os grandes chefes de cozinha são como os mais famosos DJ

Blur, “The Narcissist”, in https://www.youtube.com/watch?v=5Gr8Z3rUeJM 

Cuida-se da mistura de ingredientes. Cuidam os grandes chefes de cozinha (aliás: todos os cozinheiros, para ser democrático). E cuidam os DJ, os famosos e os amadores.

Os grande chefes de cozinha distinguem-se pela criatividade de quem acasalou ingredientes improváveis que se conciliam (“harmonizam”, para usar o jargão profissional) numa iguaria sumptuosa. São mestres nas misturas – e quanto mais exóticas, mas bem conseguidas, as misturas, mais próximos estão de uma estrela Michelin. Os DJ também se esmeram nas misturas. Misturam sons, à procura de uma alquimia que faça com que os ouvintes fiquem extáticos. Seja alcançado esse estado lisérgico e o DJ merece a sua estrela Michelin em forma de mesa de mistura estatuada.

Os grandes chefes de cozinha são parecidos com os DJ nos gestos meticulosos que emprestam à função. Os DJ foram adestrados num código gestual que é mimético, DJ após DJ. Manuseiam botões e botõezinhos numa sinalética que dá vida às misturas de músicas e sons. Quando ligam ou desligam um botão, a mão sai disparada até ao enfiamento da cabeça, como se dessem corda à música por sua vez alimentada pela combinação de botões e botõezinhos. 

Os grandes chefes de cozinha têm um ritual semelhante. Quando empratam, arqueiam-se sobre a obra-prima e, à medida que depositam os componentes da iguaria, fazem descer a cabeça até junto do prato, como se fosse necessário emprestar ao preparado a aura do grande chefe de cozinha, tão arrebatados se debruçam sobre a iguaria. Depois, soerguem-se e ficam a contemplar a obra-prima desde o seu ponto altaneiro, visivelmente orgulhosos com a proeza. À sua maneira, os grandes chefes de cozinha e os DJ são viciados em maneirismos.

(Parêntesis final, só válido para os grandes chefes de cozinha. Tanta e desassombrada criatividade poderia levar um cientista social, daqueles que se faz transportar numa modalidade de experimentalismo epistemológico, a indagar se a criatividade dos grandes chefes de cozinha se estende a outras áreas da sua vida pessoal, nomeadamente aquelas que passam pelo domínio da intimidade, para averiguar se a criatividade é exportada da cozinha para os lençóis (ou outro qualquer lugar onde a função ocorra). Não se anteveja que tal projeto de investigação passe no crivo de uma comissão de ética. Mas, da maneira como anda o presente, ninguém diga que a impossibilidade é a tradução desta vanguardista hipótese de investigação.)

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