Todas as pessoas têm relógio. Elas são a contrafação do tempo. Ninguém sabe: quando as pessoas usam relógio, adulteram o tempo. Ampliam-no quando são atraiçoadas pela tardança e ficam para trás, julgando que, se travarem o tempo, deixam de ficar para trás. Suplicam por uma indulgência que apresse o tempo quando o sentem vagaroso, e todo esse vagar é tortuoso, deixando à mostra cicatrizes que querem escondidas.
Os relógios só existem com pessoas. Há muitos relógios em estado preliminar nas montras das lojas, ostentando a sua soberba para seduzirem um futuro usuário. Quando os relógios estão fora da pele de pessoas, eles contam o tempo da mesma maneira? Não ficam hibernados, suspendendo o tempo, enquanto não habitam o pulso de alguém?
O tempo diferido é a vingança dos relógios que estão sem dono. Enquanto esperam nas montras sedutoras, estão parados e conseguem travar o andamento do tempo. É por isso que são deletérios do tempo, impedindo que seja contado pela medida estabelecida. Ninguém sabe: numa constelação paralela, autenticada pela verticalidade que sai de si mesma para marinar noutra dimensão, um minuto não tem sessenta segundos.
Não são as pessoas que se desforram do tempo. Abraçam-se à ilusão que adultera a claridade. Vão atrás dos vultos incendiários que são o juro da decente esperança combinada com candidatos a divindades. Enquanto se demoram numa configuração estulta de hibernação, ficam para trás ou julgam-se na vanguarda, assim entendam que o tempo é uma aceleração que não acompanham ou que ele se entedia dele próprio e se vinga nas pessoas que esperam por ele.
Não se espere verdade da empreitada do tempo. Não se espere verdade, apenas. Os relógios rompem o ar pesado que se põe quando antecipamos uma póstuma condição. Nessa altura, deixam de contar – o tempo deixa de contar. A menos que alguém invente a imortalidade. A hora extra.
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