Perde-se a identidade se não houver um código que sustente a semântica. As pessoas têm de falar umas com as outras. E não é apenas falar, têm de se entender para a comunicação não ser um logro. Usam um código, uma gramática, um feixe de significações que habilita a comunicação.
Nomenclar faz parte do código. Há partes do idioma que são específicas, vertidas sobre uma área delimitada que mantém o diálogo entre especialistas. São convocados pela nomenclatura, que também é específica a esse domínio. Às vezes, uma nomenclatura é uma ilha dentro do idioma. Uma ilha à qual a maioria manifesta estranheza: muito embora a nomenclatura se socorra do idioma que todos falam, é quase um idioma forasteiro. As pessoas mal conseguem pronunciar os termos técnicos, muito menos alcançam a sua inteligibilidade.
A nomenclatura pode estender-se a códigos próprios, na poesia, por exemplo: o poeta é o vate; flúmen é o rio. Pode ser inventada por um escritor, que se põe a escrever no idioma pátrio mas usa uma nomenclatura idiossincrática. Pode invocar as sereias sem estar a trazer à colação figuras míticas que vivem nas profundezas dos mares, mas apenas as mulheres lúbricas que convivem com as ruas da cidade. Pode empregar o termo “estrumeira” sem ter por referencial uma pocilga, antes endereçando a morada aos mandantes que desfiguram o bem-estar. Pode usar antónimos propositadamente, querendo dizer o oposto do que está escrito, sem passar por mitómano ou incendiário. E usar palimpsestos para enredar o leitor em labirintos dos quais terá dificuldade em se desembaraçar.
A nomenclatura assim patenteada pode ser apenas uma tentativa para escapar à ditadura do lugar-comum que contamina o idioma na sua utilização diária. A estreiteza das paredes por onde circula o código linguístico é uma prisão. (Para os demais, será a sua zona de conforto, movendo-se semanticamente nas baias estreitas que aprenderam na escola.) Os que usam nomenclaturas próprias arrematam a criatividade. Estendem o território da língua, não ficando presos a convenções avoengas, redutoras da riqueza da língua.
Eu posso dizer:
a tarde consumia as pétalas desmaiadas, desobstruindo a cavidade profunda onde os silêncios se ajuramentavam.
Não estarei a fazer alusão ao entardecer que é ateado pela véspera da noite. Falta apurar se a hermenêutica do leitor quadra com a nomenclatura que se esconde naquela frase devidamente cifrada por metáforas consecutivas. Ou apenas, como estratégia narrativa, deixar ao leitor a missão hermenêutica, deferindo liberdade interpretativa para atribuir significados à oração.
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