Termo resolutivo: desprendia-se dos haveres, como exílio interior – como interior jura monástica de austeridade. Uma moda contra a moda: a frugalidade contra a ostentação de haveres, dizem os peritos da atualidade, uma patologia que limita o livre-arbítrio.
Decidida a hibernação do consumo, era uma questão de reordenar preceitos. A privação era o conceito centrípeto, o compasso que ditava o afivelar perante o mundo. Com estas novas costuras, passaria a ser melhor pessoa (propunham os críticos da imensa massa consumista que se despoja de si mesma ao ser colonizada pela orgia de haveres).
Não era tanto pela intendência de ser melhor pessoa. A mudança traz a tiracolo uma projeção externa, que é menosprezível. Não se muda para ser melhor aos olhos dos outros. Ou, se se muda com esse propósito, é uma mudança artificial, condenada à nascença – uma contradição de termos. Dizem os mandamentos que a mudança que importa é a virada para dentro. Da maneira como o mundo anda, tão viciado na projeção do eu para fora de si, não parece que os propósitos interiores sejam estimáveis. Esgotam-se no interior de quem promove a mudança e as pessoas estão habituadas a serem julgadas pelos outros (talvez, para poderem assumir o assento de juiz dos outros). Não se privam de comentar as vidas alheias, como se delas fossem acionistas. Os parâmetros que servem para aferir uma vida não aceitam intrusões.
À ponderação de hábitos responde o apelo pela reconfiguração da vida. Até a causa ecológica ajuda: a privação não agride o meio ambiente; ajuda a completar a coerência das parangonas corretas, um manual de instruções para o bom cidadão. E quem não quer ser bom cidadão? Tirando os misantropos, os que se entregam ao vício da maldade e os aluados, a boa cidadania é um artefacto muito recomendável. Até as criancinhas são educadas para a boa cidadania, desde a escola mais tenra. É a boa cidadania que absolve o cidadão da tremenda complexidade do mundo tecnologicamente avançado que dele faz pouco mais do que um robot, devolvendo-o a uma pureza pré-qualquer-coisa todavia delimitada pelos bons juízos dos bons juízes.
E ficam todos contentes: o mundo, afinal, não anda muito longe da perfeição. Corrijam-se, como efeito imediato e rasura obrigatória, os supressores do otimismo, os que canibalizam a bondade intrínseca da pessoa, os profetas de apocalipses sempre adiados: estão errados, condenados ao exílio para um desterro onde só habitem equivocadas almas que não se sabem presentear com os encantos que ornamentam o mundo, que é madrigálico.
Investidos na privação até à medula, damos conta: o mundo é invejável, é um antro de bondade.
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