Desconfia-se da decadência que nos toma a todos, como se por efeito da lei da gravidade fôssemos empurrados para um fundo de onde é impossível sair. Protesta-se contra a decadência. Os diligentes feitores dos bons costumes abjuram a decadência: é para o lado oposto que nos devemos mover, para não deixarmos os bons costumes condenados à orfandade. Esta é a moral a que temos direito. E, todavia, em sumarenta safra de uma colheita silenciosa, a decadência avança como se fosse uma lava a sair constantemente de um vulcão. Imparável.
Não é da decadência que nos empurra para a morte que se trata. É da decadência que investe contra os costumes e sitia os seus fautores na heresia, abandonados pelos que estão no lado certo da barricada. E, contudo, apetece é figurar entre os apóstatas que se refugiam no lado decadente da barricada. É preciso encontrar as baias da decadência para não ser um obediente peão da normalidade estabelecida. Porque esse estatuto é medíocre, um território exíguo que trava o efeito propulsor das mentes que querem saber do destravão da criatividade.
O elogio da decadência tem outra vantagem: permite o reforço dos caudilhos que defendem os bons costumes e se atiram como cães raivosos contra os hereges que transitam pelas vielas da decadência. Se não fossem os decadentes, que causas mobilizariam as hostes que se atiçam contra a decadência? Se não fossem os decadentes, onde iam sufragar parte da cobiça que os move contra a decadência?
A decadência não é por acidente ou por indigência. Um decadente não procura indulgência a não ser por ativação da sua consciência. É essa a superioridade moral do decadente: põe a sua consciência à prova de cada vez que arremata mais uns trunfos para o bornal da decadência. Não pode dizer o mesmo o purista, o que merece aprovação perene nas arcadas da consciência, porque nada lhe pode ser imputado como desvio a favor da decadência.
A História é uma sucessão de episódios de decadência. Uma rampa contínua que acrescenta uns gramas diários ao peso da decadência que se arqueia sobre as boas consciências. Estas, impecavelmente adestradas, exibem o seu cadastro feito de loas. Não sabem o que é a consciência – não precisam de saber. E essa é a sua lídima decadência.
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