Ninguém sabia onde secavam as cuecas do czar. Nem nos dias soalheiros, depois da tortura do Inverno, quando as empregadas desempoeiravam a roupa lavada secando-a ao sol. A roupa estendida ao sol era diversa. Mas não estavam as cuecas do czar – havia umas cuecas, mas não eram do czar (asseguravam as raparigas ao espião disfarçado de jornalista).
As teorias começaram a abotoar. O czar não usa cuecas: era a teoria preferida dos que se entregam à lascívia, os rebeldes que não respeitam as instituições e rompem o consenso que ensina não ser admissível parodiar quem de tão sério deve estar à prova de escárnio. O czar ou tinha alergia nas partes baixas e não conseguia vestir cuecas, ou era pouco sensível à higiene e gastava as cuecas até à prescrição.
Os estadistas e os que encarnam a pose solene quando se trata dos assuntos de Estado rejeitaram a hipótese. Sua excelência é tão diligente na higiene pessoal como o comum dos mortais – e já não precisávamos de saber mais nada. As cuecas do czar prescrevem ao fim de um dia. Não são renovadas. São queimadas para nenhum espião descobrir o ADN do czar.
Os conspiracionistas deram o seu melhor (ou o pior, consoante o ângulo). Descobriram, enquanto estavam com a habitual febre pueril, que o czar tem as credenciais embebidas nas cuecas. Estão lá todos os segredos do Estado, porque nem ao espião mais perseverante, ou ao agente secreto mais criativo, congemina torturar o czar privando-o das cuecas. O método é um segredo (e os segredos de Estado são as coisas mais públicas, ou não fossem os espiões tão diligentes na revelação dos mesmos).
Os espiões têm azar se palmilharem o terreno onde seca a roupa do czar. Lá nunca seria o sítio onde o czar deixa a marinar segredos bem escondidos (do passado e do presente, esses segredos; ou do futuro, se for habilitado para exercer em nome de oráculos só ao alcance de iluminados). Ainda bem. Uma das concubinas do czar segredou que sua excelência fede dos pés e fede ainda pior das partes baixas. Só alguém que quisesse traduzir uma náusea queria saber do paradeiro das cuecas do czar.
O czar lançou-se às feras, um certo dia. Chegou ao conhecimento que estava inebriado pelo sortilégio das auroras boreais e pediu, em missão diplomática, que o país onde as luzes solares dançam o deixassem estabelecer morada provisória, só para ver uma aurora boreal. Do país hospedeiro mandaram dizer: indeferido o pedido de instalação temporária do czar, as cuecas são obrigatórias.
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