20.12.23

Língua afiada

The Smile, “The Same”, in https://www.youtube.com/watch?v=4rDaqGv4AIE

Tanto cimento para as bocas compêndio. Tanto alarido entre os monges circenses. Tanta a volúpia no santuário do silêncio. Tanta a madrugada deitada sobre a maré baixa, a maresia a avançar como se fosse lava bolçada. Tanta gente na moldura do tempo, a gente bucólica. Tantas as palavras viradas do avesso por dever de ofender a rotina. Tantos desejos não fecundados pelas circunstâncias sem paradeiro.

Tento o entardecer como morada balsâmica. Tento as moradas por inventariar como quem demanda apeadeiros gastos na poeira do tempo. Tento morder as bocas inválidas para as deixar surdas com os votos da estética. Tento angariar demónios esculpidos em farsas inevitáveis, à medida de uma rebeldia militante. Tento desocupar os baldios do pensamento. Tento avivar as arestas do cálice puído, pode ser que o vinho saiba a néctar. Tento a baliza do desacontecimento antes que seja feito refém pelo tempo amaldiçoado.

Trago a indústria do desmedo a palpitar nas veias. Trago os poemas desembaraçados nas fundações de uma tempestade de ideias. Trago tantos nomes depostos nas sepulturas abandonadas. Trago os tentares assimétricos no magma estrelar que se hasteia à contraluz. Trago os víveres que desmentem o faminto estado geral dos desapoderados. Trago sentidas condolências aos que precisam de condolências pressentidas. Trago a fome do conhecimento ao saber que há de ser maior do que fica por ser conhecido.

Tiro ao futuro os abcessos para ver se ele cresce. Tiro o alvo desalmado dos braços exauridos dos estetas naufragados. Tiro as medidas ao desmedido para saber da cor do infinito. Tiro as harpas amarelecidas ao bolor dos luares acastelados para aprender a partitura do belo. Tiro as lágrimas fervidas no vulcão extravagante onde se ensinam os poemas válidos. Tiro os tremores que desassossegam o rio em noites intermináveis povoadas pela insónia. Tiro os idiomas ao património anoitecido, como se passasse à condição poliglota que aprende a medir as almas pelos seus deslimites.

E tento que tanto seja menos do que o desejado, para que todas as medidas partam sem saberem onde o infinito ajeita as melenas do pensamento.

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