13.12.23

Para ficar bem na fotografia

MGMT, “Bubblegum Dog”, in https://www.youtube.com/watch?v=eX5NIs8bV54

As rugas cavam a pele. Adivinham o futuro que se tornou um achado quando se contratualizou presente. Olha ao espelho, como se todos os dias tivesse de fazer o inventário das rugas. Observa com vagar. É capaz de jurar que meia dúzia de rugas estão mais cavadas. Envelhece – é o que o tempo lhe segreda (como se envelhecer fosse um segredo). 

Envelhece e tem medo de envelhecer. Podiam dizer que todo o tempo deixado à frente do espelho é uma autocontemplação piedosa. Partem do conceito de admiração de si próprio como um vetusto endeusamento, já que aos deuses foi marcada falta de comparência. Se perguntassem não tinham de especular. Da imagem devolvida pelo espelho não fermenta autocontemplação. É só a carência de inventariar as rugas, medindo-as mentalmente. Para confirmar que envelhece. Porque tem medo de envelhecer.

Como se pode envelhecer se não houver o atestado de madurez? Não somos como os frutos que, na fronteira entre a madurez e a decadência, se precipitam à espera da podridão que os transforme em chão. Exige-se uma certificação pessoal, o método indispensável para aferir o envelhecimento. Em vez de ser fruto à espera de ser devorado pelo chão, demora-se no espelho. A contar rugas. A fazer de conta que tira as medidas à fotogenia.

Um amigo advertiu que este método apressa o envelhecimento. Quem anda à procura do mecenato do envelhecimento desperdiça o tempo que não se repete. Todos envelhecemos. Está inscrito na ordem do dia. À espera de um dia que deixe de ser a diurna feição remoçada.

Como sempre dispensou advertências em tom paternalista, e os sucedâneos dos administradores de ajuda ao próximo (um registo abusivamente cunhado “autoajuda”), continuou a importunar as horas inaugurais com a cartografia do rosto. Os geógrafos das almas cuidavam das dores restantes (interiorizou a certeza, para travar a exuberância de perguntas malparidas que não conseguia domar). Limitava-se a rasurar as arestas avivadas por uma ruga crescente, como se adulterasse o retrato tirado sob os auspícios do espelho matinal. 

Sempre podia anunciar, aos que se importunassem com a sua meã condição, que todo o tempo emprestado ao espelho era uma pose estudada: não sendo fotogénico, fazia os possíveis por ficar bem na fotografia. Os demais que cuidassem da (sua) posteridade. 

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