18.12.23

Países altos (miragem)

Waterboys, “Old England”, in https://www.youtube.com/watch?v=V4CPezSV198

A monumentalidade não vinha do passado. Havia países altos prometidos ao futuro. Uma janela sem vidros por onde todo o tempo futuro entrava. As pessoas não tinham o direito à melancolia. Não podiam afocinhar na desesperança, sob pena de degredo. Eram os países miradouro. Países que subiam pelos esporões da montanha até se encontrarem despojados de trivialidade. Países ostentando as medalhas do poder, como se costurassem as bainhas dos outros.

Os países altos só queriam o compromisso das gentes para serem tão altas quanto a ambição dos países. Não se sabia quem era a causa e o efeito. Não se sabia se os países com o arnês da altitude contagiavam as pessoas com esse estatuto, ou se era a ambição das pessoas que elevava a dimensão dos países. Se até os mais eruditos desprezaram a tarefa teórica que se antepunha, ela foi despromovida a desacontecimento. Só interessava saber que eram países altos. Mais altos do que dantes se diziam os mais altos de todos. 

O silêncio dos outrora países altos causava perplexidade. Quem detém o privilégio não o passa sem protesto ou sem resistência. Os países agora altos proclamavam-se altos, com o garbo próprio de quem ostenta arrogância qualificativa. Os outros, os pequenos e os dantes altos, calavam-se. Os pequenos nunca tiveram a coragem para contestar os privilégios dos países altos. Os países dantes altos não tinham ido ao notário selar a passagem de testemunho. Os países dantes altos eram os países ainda altos. 

Algumas pessoas começaram a desembaraçar interrogações. Dantes, quando um país reivindicava o estatuto de país alto, era admitido a concurso pelos outros. Não era o caso destes novos países altos. A diligência e o voluntarismo não eram critério. Uma coisa é aspirar a ser alto, outra é o estatuto ser reconhecido pelos pares.

Não estando delimitada com chancela oficial a condição de países altos pelos que tinham estando no usufruto do privilégio, os novos países altos não o eram até ver. Aspiravam a sê-lo. Puseram-se em fila de espera, à espera da caução dos então países altos. Não contassem com a sinecura antes de os países mesmo altos a sentenciarem. Medravam, por enquanto e até ver, na maresia da miragem que eles próprios semearam.

Só não percebiam como havia os Países Baixos.

Sem comentários: