25.12.23

Junho em natal

Sugarcubes, “Birthday” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=FRd57bm7k24

Não eram barretes que se metiam na cabeça, que estava um calor de ananases e o barrete ia derreter o pensamento. Naquele lugar – para mais – o que mais havia era gente a enfiar o barrete, com todos a quererem enganar os outros, um lugar do folgazões com propensão para a aldrabice. Os frigoríficos avariados tinham valor de mercado e não eram despachados por uma bagatela. Faltava sempre gelo, até para as bebidas que corriam o balcão do bar antes de refrescarem (e serem um começo de embriaguez) os candidatos a pai natal.

O próprio pai natal aparecia em público só com uma tanga vermelha e a abundante pança a adejar. Este era o lugar em que o natal era um inestético pesadelo. A tradição, talvez por esse motivo, começava a perder as suas fundações. De geração em geração, até de ano para ano, o natal era menos popular. Nem os apelos dos sindicatos, preocupados com os danos no comércio não pela via dos detentores do capital, mas pelo ângulo do trabalho em vias de ser extinto, estavam na linha da frente da campanha de reabilitação do natal. O mundo também precisa de ser virado do avesso para fazer algum sentido.

Os víveres habitualmente natalícios estavam em desmoda. De geração para geração, até de ano para ano, as matérias-primas que avivavam a tradição gastronómica da quadra estavam a ser menos vendidas. As pessoas, cada vez mais pessoas, aderiam aos malefícios do fast food – até na ceia de natal, que começava com a luz do sol a caiar o horizonte. O imaginário musical do natal perdia âncora. Os mais novos continuavam a ouvir as músicas da sua preferência. Nem quando um cantor afamado de reggaeton adaptou uma música de natal em versão reggaeton, as gerações mais novas foram convencidas das delícias da quadra natalícia. Descobriu-se, semanas depois, que o cantor tinha sido pago, e a peso de ouro, pela associações de comerciantes.

 O natal sempre fora distinto naquele lugar exótico. Não havia neve, as pessoas usavam o mínimo de roupa (atendendo às temperaturas exorbitantes), as melodias evocativas da quadra arrastavam-se em acordes de reggae, a luz do dia parecia eternizar-se e, se fosse um povo católico, a missa da meia-noite ainda era no crepúsculo que precede a breve noite. 

Um visitante, vindo de um nórdico país, sentenciou: isto é como se o natal fosse em junho. Nunca mais voltou àquele lugar em dezembro.

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