Black Country, New Road, “Athens” (live 6 Music Festival), in https://www.youtube.com/watch?v=TWfYv3gx0fY
I
O novelo não tem fios. Atinge as veias quando o desfiladeiro coloniza a paisagem e o olhar se extasia. O engenho humano, como filigrana pura, porfiou até conquistar à rocha indomável um caminho para as pessoas irem de um lado ao outro do desfiladeiro. Procurou bibliografia sobre a construção da estrada que rasgou uma nesga do desfiladeiro. Não encontrou. Não há registos da construção da estrada. Será por causa do mistério que é o desfiladeiro.
II
As pessoas filiavam-se em grupos de variegada índole. Davam expressão à condição gregária. Não queriam a solidão. Tinham medo da solidão. Mas limitavam-se a preencher o formulário de inscrição e a pagar as quotas. Não compareciam. Faziam de conta que a solidão não os apoquentava. Ou fingiam que a pertença a vários grupos, de variegada índole, passava um verniz sobre a solidão. Outros, misantropos incorrigíveis, diziam: na morte, tenho encontro marcado com a solidão. Não vou disfarçar agora.
III
Os pescadores subiam à vila depois de amanharem as artes e fazerem a limpeza básica da embarcação. A diversão vem depois das obrigações do trabalho. Apenderam na escola e em casa, em famílias torturadas pela perenidade do trabalho. Os que tentaram dissidir, ensaiando avulsos movimentos de rebeldia, acabaram por se resignar. Sozinhos não podiam contrariar as convenções.
IV
Os amigos ocupavam um módico de tempo com a boémia. A boémia pode ser tudo o que não seja trabalho. Libertavam-se. Diziam: enfim, não somos nós.
V
O que faríamos com um desafio inesperado, os dedos terçados pela contingência a embater no peito? Seríamos capazes de virar o olhar do avesso, se fosse preciso para domar o contratempo? A incerteza não avisa de véspera. Nós, que nos julgamos de atalaia, não sabemos como o futuro vai soar quando for deposto aos nossos pés. Mais tarde, quando a madurez assobiar continuamente, diremos que ninguém está preparado para as contrariedades. O futuro não se encomenda. Vive-se, quando desaguar no presente.
VI
A matéria abissal tropeça no vazio do tempo. Dizemos: sem embargo, para dar uma oportunidade à mascote do tempo indelével. Devíamos dizer: com o embargo das alterações insindicáveis, porfiamos pelo túnel do tempo. Somos seus passageiros, à mercê da contingência que industria.