Hania Rani, “Tennen”, in https://www.youtube.com/watch?v=b5460Oggjnw
As tréguas substituem com proveito os sobressaltos que sejam o resultado dos pleitos afinal inúteis. Pode-se discutir se há pleitos úteis; dirão: a defesa de honra é um pleito útil; mas a subjetividade impera, o que define a lesão da honra que exige a sua defesa intransigente senão as muito subjetivas dores sentidas por cada um?
O pacto de não agressão é o melhor dote. A agressividade abre a porta a uma beligerância nunca saudável. Os que protestam a favor das suas causas legítimas vivem cercados pela angústia de se sentirem vítimas prediletas dos outros. São vítimas dos seus próprios exageros, de um destempero que os cerca com a hibernação. Vítimas de um olhar interior que os atraiçoa. Ateiam os fogos onde se consome a sua serenidade. Sublevam os sentidos, hipotecados pelo raciocínio que treslê as circunstâncias. Têm de ser vítimas de algo, ou as suas vidas perdem-se num emaranhado de significados baços. A menor das ofensas transforma-se num crime irreparável. Daí para diante, sobra o rancor sufocante que não poupa ninguém que for apanhado no caminho.
A perturbação de espírito pode tomar tamanhas proporções que os que são apanhados nesta maré tumultuosa nem percebem que estão colonizados. A inquietação passa a ser um modo de vida. Um desviver de que poucos conseguem ter lucidez para apurar o diagnóstico. Sem capacidade para entenderem a enfermidade, não precisam de armas para a combater. O passar dos dias é um colossal endividamento à conta do desviver.
A menos que, num acesso de lucidez que contrarie os fogos ateados, os beligerantes entendam que um pacto de não agressão transforma os dias em bálsamo. As arrelias deixam de ser fraturas expostas, as palavras ditas pelos outros deixam de ser a cal viva atirada para cima de feridas intencionais, o sono deixa de ser empobrecido por insónias bárbaras, o trato com os outros já não é transido pela desconfiança sistemática.
Através do pacto de agressão, todos reaprendem a ser o que foram antes de terem sido atirados para os tentáculos de uma beligerância fervente. Mas as pessoas continuam a preferir erguer fronteiras em vez de levantarem pontes.
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