Michael Kiwanuka, “Floating Parade” (live from Wimbledon), in https://www.youtube.com/watch?v=z57b2hK3YGE
Não foi ele que juntou ao seu nome a alcunha de rufia. Foi responsabilidade dos outros. Se lhes fosse perguntado, do rufia diriam que é legítima a alcunha porque ele boicota a concórdia, tem instintos misantropos e não concorre para o bem-comum. Diriam, ainda, que o rufia é de trato descortês, verte boçalidade a rodos, assume uma desconfiança sistemática no próximo e no que não é próximo, é alguém em quem não se pode confiar nem quando a assinatura consta de um contrato. Um rebelde sem causa conhecida a não ser a dissidência sistemática e provocadora.
A provocação como método é um savoir faire do rufia. Tem o condão de incomodar até os que têm sangue réptil e não estão acostumados ao desassossego causado pelos outros. Desenvolveu um intrínseco espírito de contradição, capitalizando as divergências em proveito próprio. O rufia não admite em público, mas os que o conhecem superficialmente (não há quem o conheça para além do verniz embotado) suspeitam que amiúdes vezes o rufia finge defender o contrário do que defende só para ativar o espírito de contradição. Detesta que os outros concordem com ele. E se, num afã de contradições sucessivas, acaba por se contradizer, não é incómodo que o leve a dar parte de fraco. Já o ouviram a dizer, para se desembaraçar de uma contradição estridente, que tinha mudado de ideias e era assunto encerrado.
As pessoas evitam o rufia. Como ele não evita as altercações, até as que possam envolver violência, os que o conhecem pela rama não se importam que ele passe à frente nas filas, que não apanhe os dejetos que o casal de cães rafeiros deixa no passeio, que grite com um turista desprevenido que desconhece a sua má rês, que seja inconveniente com senhoras numa exibição de misoginia incorrigível, que suba a voz em pleitos ao ser acusado de ser desagradável, e que arregace as mangas e proponha, a oponentes desavisados, que a pendência seja resolvida à custa do bombardear dos punhos atiçados em pose de boxeur.
O que ninguém conhece é o avesso do rufia. A bondade escondida, a filantropia com os pobres, as causas que subscreve sob anonimato, a imensa biblioteca que guarda num quarto propositadamente reconvertido, o esmero gastronómico de que só ele tem proveito, o muito mundo que calcorreou sem disso fazer alarde, a surpreendente fé.
Já que tanto insistem em apelidá-lo de rufia, ele faz questão de honrar, até aos seus terminais dias, o cognome. As pessoas nunca entenderam esta generosidade do rufia.
Sem comentários:
Enviar um comentário