Vila Martel, “Amanhã Não Vou Ficar”, in https://www.youtube.com/watch?v=LdgfbdhlTtg
Uma torrente, imparável, insaciável, que se alimenta do nosso desejo de saber, de estar por dentro da História enquanto ela se faz de sucessivos presentes, e depois sentimos que estamos cercados por um sôfrego caudal de informação que nos consome as veias, que nos ateia o sangue numa perene insatisfação pelo estado do mundo, como um viveiro de sensações que inflaciona a angústia. Como se uma avalanche irrompesse, galopando pela montanha abaixo sem que nós, suas testemunhas diretas, pudéssemos travar a sua marcha.
É uma sensação paradoxal: não vivemos sem informação (acreditamos, reféns de, possivelmente, um preconceito) e depois somos torpedeados incessantemente pela informação que nos assola a uma velocidade estrelar, numa altura em que a dependência é tal que desviar o manancial combina com uma doença de sinal contrário: a escassez, a caminho da ausência, contrasta com a abundância nociva de informação, sem que saibamos estar a não ser numa das extremidades.
A lucidez pode emparelhar com o desejo de ausência, forjando um desligar total da matéria-prima e dos meios que a trazem – como se fosse possível a uma pessoa informada depressa cair na trincheira oposta e fingir (porque um fingimento acaba por ser) que está alheia ao que a envolve, como se fizesse de conta que os cinco sentidos foram propositadamente desligados da corrente. Um estado comatoso, intencional, para separar a pessoa do mundo, levando-a a crer que paira sobre o mundo num estatuto de indiferença ao mundo. Mas é apenas uma anestesia.
Não passando de um fingimento mal apurado, a negação da anestesia como recurso que falsifica a ligação com a realidade exterior é a ignição para o irrecusável saber do presente. O remoinho dos acontecimentos é o cimento da clepsidra de tempos presentes que alimenta o desdobramento do mundo em múltiplas camadas. Receando a ignorância que se abate como anátema, como se a pessoa se demitisse de ser cidadã, abrem-se copiosas janelas, as visíveis e outras que se descobrem mais tarde, por onde entra o caudal da informação. É uma avalanche que se abate sobre nós, que nos sufoca e deixa desinformados pelo ónus de tanta informação.
Com esta velocidade a que o tempo lega acontecimentos, precisávamos de ter cinco vidas simultâneas para não sermos ultrapassados pelo mundo à espera de reconhecimento. Quando assim nos comportamos, somos nós que queremos reconhecimento do mundo que cai sobre nós. De tanto queremos saber do mundo no seu estado presente, é o mundo que sabe coisas de mais acerca de nós. E esta assimetria nunca será corrigida, a menos que nos refugiemos no exílio do tempo presente.
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