Tunde Adebimpe, “Magnetic”, in https://www.youtube.com/watch?v=WWiGeU1WPW8
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Os intermináveis segundos em que os dados atirados não caem na mesa do jogo estão na inversa proporção da velocidade da queda no precipício.
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O narrador não é imparcial – protestava a personagem, interrompendo a peça. O narrador, cabisbaixo, confirmava com o seu silêncio o voto de protesto (que ficou lavrado na ata dos espectadores).
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Roça o desagradável, a maneira como vossa excelência se me dirige. Tê-lo-ei em conta quando for preciso ajustarmos contas, dizia o deputado ao deputado de um partido rival. À noite, foram vistos em desamena boémia pelos bares limítrofes à Assembleia.
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Que te seja benigno o vento que amanheceu. Usa-o para esfoliares as ideias, que estão carregadas de podridão. Não me peças o favor de dizer que parte das ideias precisas de reciclar. A resposta é tão fácil.
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Tinha por cobertor a noite singular, uma desmemória criteriosa, o refúgio num labirinto escanção, a porta puída que não deixava de ter serventia, as palavras atapetadas que ficavam pendidas no canto da boca, o beijo rastejante prolongando o afeto, a matéria incandescente que sufragava o gelo das mãos, a embaixada do dia.
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A razia das almas cruas não olha a nomes. Está tudo tão devastado que não sobra esperança. Não sobra uma ideia de tempo. Há quem ande no meio dos escombros. Procura uma janela, mesmo que esteja estropiada. Não acredita que estejamos colonizados pelos párias.
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Rodavam as cabeças decepadas por ausência de pensamento. Tinham sido avisadas com tempo. Preferiram a indiferença, o desfardo de ter alguém a pensar por eles.
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Não se encostavam a outras pessoas, nem quando os transportes públicos iam apinhados, ou nas escadas rolantes à saída da estação central em hora de ponta. A distância exigida era (mesmo) higiénica.
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Um contrato-promessa assinado sem solenidade determinava que os envolvidos seriam mecenas da alacridade, promoveriam a desconfiança para ninguém ter vantagem sobre os demais, e diriam de si serem pessoas boçais porque a cortesia ficou sepultada no século XIX. Oxalá ninguém respeite o contrato-promessa.
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Não digas palavras proscritas: contrabando, desembargo, ressentimento, pureza, iracundo, talvez mentira. Substitui-as por palavras que te “sobem ilegíveis à boca” e dá-lhes moldura, a procuração da sua perenidade.
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