Pôr em sal, o corpo curvado: assim é a serventia da noite, a chave que encerra o dia que parecia não ter fim. Mas o fim do dia foi consumado. Com a simplicidade de anotar, no compêndio das satisfações interiores, que mais um dia tinha sido saldado. Esta devia ser a medida da ambição permitida.
Não é por falta de soldados que a empreitada foi desviada do seu curso. Para os devidos efeitos, os exércitos, por mais numerosos que sejam, são indiferentes à colheita das vidas. A rosa legada pelo dia, somos nós que temos de a encontrar. Os provérbios não contam. Os sinédrios são congeminações que disfarçam a inapelável propensão das pessoas para se desentenderem. Se não for dada caução ao princípio geral do desentendimento, e se as pessoas não o acolherem como a liberdade do desacordo como esteio da sua própria liberdade, ficam limitadas pela babugem que é apenas uma amostra do que os dias têm para oferecer.
Talvez a imagem das vidas que se entrecruzam, firmadas no conhecimento ou como exibições de anonimato, seja equivalente à representação de um icebergue. A parte submersa é muito maior do que a parte visível. E a temperatura glacial assemelha-se à letargia que coloniza as vidas que olham para diante com medo do passado de que procedem. Desvivemos muito mais do que vivemos.
Somos vítimas dos martelos pneumáticos que cicatrizam a modernidade. Este é o anátema consumado que desfaz as costuras das vidas quando são perfiladas no seu objeto potencial: vivemos sempre em modernidade, e assim tem sido desde que os tempos ganharam presença nos dicionários. É tanta a sede de modernidade, e tão grande a necessidade de nos distinguirmos dos vários pretéritos, que acabamos reféns de um verniz acidental. A modernidade é o vento que não conseguimos prender com os dedos. Distraídos, os dedos esquecem-se de fabricar o futuro. Acabamos por ser um acaso do futuro.
Entretanto, as vidas passam a correr. Presos aos detalhes que nos anestesiam, seguimos fragilmente amparados pela babugem que se transforma num (ainda mais frágil) alicerce. À espera da menor convulsão para nos despenharmos. Pois a rosa legada pelo dia, somos nós que temos de a alimentar.
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