Tudo vai mudar, a partir do próximo Natal. A mudança insinuar-se-á, discreta mas irrecusável, mas contundente e à prova de bala. As ressonâncias de antanho, que evocam um patriarcado disforme e soez, mantendo à superfície nomes atávicos que perpetuam um passado que se quer esconjurado, vão ser dissolvidas por decreto e sem consulta à hierarquia eclesiástica.
O Pai Natal vai ser deposto. Como não se pode mudar tudo de uma vez – a existência de uma figura natalícia, muito embora diminua, com a sua carga pagã, o empenho religioso das festividades, constitui um avanço na senda do progressismo, mas não é a etapa final –, o Pai Natal será substituído pela Mãe Natal. É o primeiro passo para o “empoderamento” das mulheres que continua a ser adiado atrás do disfarce das proclamações vazias que apenas mantêm a supremacia dos homens. Atrás virá, com umas décadas de preparação, o destino (por ora inconfessável) da extinção do Natal como meta intermédia de dissolução do capitalismo. O novo homem novo, prenhe de justiça e imune à usura dos capitalistas, assim o obriga.
A Mãe Natal será um rosto não ancião, desfazendo um anátema estabelecido: o Pai Natal é uma personagem envelhecida. A assimetria geracional tem de ser corrigida, sob pena de os mais jovens serem condenados a adiar as suas vidas, quando os mais velhos, já reformados ao cabo de uma vida profissional, continuam a açambarcar o papel de Pai Natal. O progressismo não pactua, não pode pactuar, com estas desigualdades, ou não será progressismo.
Outra mudança alinhavada é na gastronomia associada à época natalícia. O nome “bolo-rei” será banido. A monarquia foi destronada há mais de cem anos, não é aceitável que o bolo mantenha ligação com a figura de um monarca que não existe. O novo nome será o do presidente da república em exercício: bolo-Marcelo, a que se seguirá, eventualmente, bolo-Almirante.
(Aproveitando a oportunidade e os ganhos de contexto, será feita campanha, a nível internacional, para mudar no xadrez os nomes das peças do rei e da rainha, apelando ao anacronismo da monarquia, uma peça museológica no palco mundial.)
Por fim, a doçaria conventual que usar nomenclatura atávica, seja pela ligação a figuras da nobreza (D. Rodrigo), ou por evocar figuras do clero (Travesseiros de Santa Clara), terá de ser rebatizada (salvo seja). O princípio do Estado laico e o princípio da igualdade dos homens, sem estamentos ou castas reconhecidas por lei, o obrigam. Só então o Natal terá cumprido a sua função ao serviço do progressismo.
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