The Jesus and Mary Chain, “Reverence” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=FCYOSvZ-dYY
O fumeiro exige tempo e um fumo condizente. Dizem que também exige frio, como se o frio fosse responsável pela produção de fumo alimentado pelas fogueiras que, na ausência do frio, não são ateadas – o que não passa de um mito, porque as fogueiras são sempre ateadas para a produção do fumeiro. O fumeiro também exige paciência: quem antecipar a colheita percebe que a qualidade do fumeiro fica aquém do esperado.
A razão devia ser fumada, no sentido gastronómico do termo. Sujeita a uma cura de tempo, para não soçobrar no destempo e na superficialidade. O grande problema da razão – para além de haver muita gente, gente de mais, a reclamá-la como seu património e com exclusão das outras partes – é de nascer prematura. Processada na vertigem do momento, estorva a lucidez. O pior é que as pessoas formulam uma razão, a sua razão, e não estão dispostas (ou preparadas) para recuar. Não refazem a razão, nem admitem que foi uma consideração precipitada e que a razão assiste a outro.
(Sem entrar na grande fraqueza da razão, quando os seus tutores a alindam com o manto de objetividade, pois a razão é subjetiva. Contém a sua negação, a menos que se aceite a sua relativização: a razão é aquela, porque partiu de certos pressupostos e se alicerçou num raciocínio congruente. As conclusões em que se embasa a razão coroam este processo. Uma razão assim delimitada é válida para uma pessoa, ou para um grupo que se revê nessa contextualização da razão.)
Agora que o tempo é voraz, e tudo se empresta à efemeridade, ainda menos se justifica a razão instantânea. Não tem tempo para amadurecer, como o fumeiro que precisa de um demorado estágio sob os efeitos do fumo. A razão espontânea pode ser um estado de alma, uma reação intempestiva, um enamoramento com as aparências, o desvio pelo acessório enquanto o essencial fica a marinar na lonjura do tempo, um rumor que depressa se extingue.
A razão assim congeminada inflaciona-se, detém-se na epiderme, incapaz de mergulhar no vagar do tempo que é exigível para que a razão – uma, tão subjetiva, razão – se ofereça como válida e como proposta de entendimento de um fenómeno ou de um comportamento. Mas sempre como proposta, sem ambicionar a ser definitiva. A razão não é como os víveres que só podem ser consumidos se estiverem frescos. Uma razão em estado bruto fica a léguas de ser assimilada. A razão exige um processo de maturação. Como o fumeiro, deve ser exposta à maturidade do tempo e ao fumo a que só conseguem reagir os que são pacientes.
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