Um esticão no dia, pode ser que seja mais tarde o seu ocaso – ainda vamos a tempo do tempo magistral. Dizem que não se açambarcam os medos do alto de um precipício. As coisas hão de conter o seu oposto. Podemos ser audazes e somos apanhados na corrosão de tudo, como se um verme em forma de ferrugem avançasse, imparável, contra a inércia estabelecida. Mas, depois, sobram as vidas. Vidas que não se depõem no inverosímil estertor. Vidas que são vividas intensamente, sem que as outras vidas saibam disso. Vidas que insistem em ser dicionários da modéstia.
Vagamos a noite impronunciável. Ele há tantos vocábulos que nos obrigam a pedir ajuda ao dicionário – e tantos outros que ainda estão por descobrir. Agasalhamo-nos no frio por sabermos que as veias incandescentes nutrem a ebulição da carne. O frio devolve a sensibilidade ameada no olvido. Afinal, sentimos: sabemos, sem hipotecar o pensamento, sem doar os esteios de que somos fundamento. A noite não é imorredoira. E nós, não conspiramos contra os vultos desarrumados de gavetas empoeiradas.
A humidade da noite inflaciona a corrosão. Os elementos ficam à mostra, uma nudez inconsequente. Se não fosse pela matéria validada, o beneplácito estimado como caução legítima, seríamos a cidade que se entrega às vidas, que lhes devolve um genuíno sentido. Receamos que a corrosão esteja entranhada. A tinta escura herdada da noite sem aval estende-se na pele, disfarça-a de xisto.
Seja a corrosão: as vidas continuam pelo fio do tempo, não desanimam aos pés da corrosão. Não deixam que ela seja síndica do nosso haver. As cartas escritas pesam sobre as janelas entreabertas como se precisassem de respirar o ar puro que voluteia desde o mar. Elas são como dardos que engastam a carne exposta, uma anestesia sem modos que inaugura a estação do fingimento. Somos as vidas herdadas do passado com a atalaia da corrosão.
Não fugimos. Vamos entardecendo no vagar próprio que se escreve como prefácio da noite. Anotamos os sedimentos da corrosão que povoam a pele urdida. Somos nós; nós, sem os nós que a decadência começa a pear. Somos esta forma sumptuosamente aformoseada que adestra a decadência. Sem elixires, sem medonhos estertores que adejam sobre o fio do horizonte. De braço dado com a vertigem do tempo que ousamos abrandar.
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