Interpol, “Gran Hotel”, in https://www.youtube.com/watch?v=XrV2zr8stp0
Os ponteiros do relógio saltavam como cangurus, emprestando loucura ao tempo que arriscava o devir. Parecia uma arritmia: se tivessem sido registados os sobressaltos dos ponteiros dir-se-ia que o tempo, naquele relógio, se tornara lisérgico, fervendo e depois arrefecendo para voltar a ferver numa pulsão irrefreável. A manhã antecipou-se ao entardecer e o corpo frenético estava à mercê do solipsismo de um eclipse.
Ninguém sabia que durante essa exaltação imoderada do tempo se encontrava a hora certa. A janela de tempo era muito larga, mas um perito jurou, sobre as fundações da sua sapiência, que era por lá que se encontrava a hora certa. O que queria dizer que a hora certa já pertencia ao passado. Talvez não importasse saber do paradeiro da hora certa. Interpelaram o perito: a hora certa é determinada no exterior, ou somos nós os seus tutores?
O perito adormeceu no silêncio. Esperava-se mais de uma eminência parda. Os estatutos custam a ganhar um selo de autenticidade. À custa do estatuto, muitos senadores entornam sabedoria que, julgam, é feita à prova de verificação, à prova de contestação. O perito dissera que já fora a hora certa e era isso que devia contar. Perdera-se a hora certa no meio da deslumbrante coregrafia do tempo, que não se contentava em ser uma contagem decrescente, arrumando a desesperança dos que estavam à sua mercê. Deste tempo sem regra não se dissesse que era pródigo, ou amigo das pessoas que passam pelo seu crivo. O tempo tinha sido ser atirado para dentro de uma culpa: não podia haver uma hora certa. Não podíamos estar todos atrasados.
A hora certa podia ainda estar à espera. Não se transigisse com este imperativo categórico: tornar a hora certa dependente do singular colhia a contestação dos que tiravam as mordaças. Protestando contra o determinismo do singular, convocavam o plural para inventariar a possibilidade das horas certas. Algumas haveriam de estar inscritas no plano do devir.
A essas horas certas, ainda estaríamos a tempo de chegar a tempo. E todos foram dormir descansados.
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