12.1.24

Foge foge, janeiro

Yeah Yeah Yeahs ft. Perfume Genius, “Spitting Off the Edge of the World” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=2V4ZdOCM0x8

E se dissesses que tens medo dos deuses, entendia-se como uma epifania? 

Os corpos emagrecidos arrastam-se languidamente pela rua ficcionada. Fingem. Mas, pergunta-se, quem não (se) finge? Parece que somos todos dados às alturas, numa omissão propositada da humildade – esse descapital que deixa de se aprender nas escolas à medida em que a glorificação do eu atinge latitudes demenciais.

Tu dizias, para desconversar (talvez): o janeiro está-nos a fugir debaixo dos pés. Como se cada dia fosse esventrado pelos passos que dávamos, nós insistentemente depauperados enquanto janeiro fosse existência tangível. E porque somos contra janeiro? – perguntei, e só obtive o silêncio.

Não sabemos com quantas pessoas angariadas para o palco do crime nos cruzamos num dia. Elas não exibem o registo criminal a tiracolo. O anonimato do crime é a cumplicidade que todos temos com os que já foram enredados no labirinto do crime. E é a garantia que não seremos abjurados depois de termos sido autores de um crime. Não é disso que falo: penso naqueles que já têm a sua conta à conta do crime e nunca caíram no apertado escrutínio das polícias e dos tribunais. Os criminosos que guardam para si já terem sido meliantes de qualquer espécie. Fogem de nós como o janeiro que quer depressa dar lugar ao fevereiro consecutivo. Ou então somos nós esse fevereiro, apressadamente a distanciar-se do janeiro impulsivo.

As olheiras do homem do lixo podem conter muitas possibilidades. Uma noite de luxúria (a luxúria não é só para os novos). Uma insónia mal combatida. Uma incursão pela boémia militante, com débito do sono. Um part-time a desoras, para compor o orçamento da família que é curto (apesar do socialismo promissor hasteado como única alternativa da regência). O homem do lixo carrega os esbanjamentos que deixamos à sua tutela. Como se fossem o janeiro que ainda não chegou a meio e já é uma meada convulsiva. O homem do lixo cuida de deixar a higiene possível ao fevereiro que esperamos vir em lugar do janeiro fracassado.

E ninguém percebe que fevereiro é o mês com a menor estatura. Nem por ser bissexto o ano, o fevereiro  se safa da meã condição. Ao contrário dos meses que se esticam no promontório, ninguém foge de fevereiro.

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