Ty Segall, “My Best Friend”, in https://www.youtube.com/watch?v=yCxNUKNgqyQ
Somos o lobo de nós mesmos. O que desmente o exclusivo da racionalidade. Os ingénuos protestam contra a irracionalidade estonteante da humanidade: as guerras, sempre as guerras, a maldade intencional, a mentira, os atos de brutalidade destinados ao próximo, as más intenções, a indiferença pelos outros, a desconfiança como critério – o somatório de todas as parcelas: a brutalidade humana.
Os ingénuos ajuízam indevidamente. A irracionalidade existe porque somos racionais. Não se espere de seres racionais que esgrimam a condição a seu favor e neguem validade ao seu oposto. É por seremos racionais que acabamos sitiados pela irracionalidade. Como antítese da racionalidade, a irracionalidade é um seu subproduto. Do miradouro antropocêntrico diz-se que não se espera racionalidade das espécies afastadas da racionalidade, apenas a irracionalidade que lhes é inata. Já de nós, humanos, tanto podemos escolher a racionalidade como sermos voluntários da irracionalidade. Para atestarmos a irracionalidade temos de partir de uma posição de racionalidade.
Os compêndios andam a exagerar na mistificação da humanidade. Muito embora os que divergem de uma cândida apreciação da humanidade tenham o seu palco, ainda prospera a ideia centrípeta da racionalidade humana. Os otimistas antropológicos são os que mais depressa apanham deceções. De cada vez que um grupo decai na irracionalidade, não conseguem compreender a tendência de o Homem virar o revólver na sua direção. Se fossem cultores de uma racionalidade temperada, admitiam a possibilidade de os humanos se afastarem do que é racional.
A espécie talvez tenha uma natureza diferente da que é emoldurada pelos sistematicamente otimistas. E serão estes, presos ao incorrigível otimismo (porque é sempre mais confortável ser otimista do que medrar nas angústia do pessimismo – quanto mais não seja), que ficam em dívida à racionalidade. A surpresa com que são apanhados quando mais um episódio de irracionalidade é vertido para os compêndios da humanidade, ou as invetivas que dirigem aos que rompem o ilusório consenso sobre a racionalidade humana, são de uma ingenuidade que não quadra com a racionalidade.
São mais racionais os que não resistem, ou não se coíbem, a provar a irracionalidade, do que os que fingem que a irracionalidade é desmentida pela racionalidade irrenunciável dos humanos. Falhar, sem termos de saber se é intencional ou um acaso, vem tatuado no código genético da racionalidade.
Os lamentos pueris que acabaram de descobrir que há humanos que são imoderadamente irracionais deviam ser chamados à terra. A lua é a terra dos lunáticos, não a Terra.
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