22.1.24

Havemos de tomar um café (um dia destes)

The Dandy Warhols (feat. Black Francis), “Danzing With Myself”, in https://www.youtube.com/watch?v=B7kO8C9ZKuI

Uma batalha tremenda perdida para o adiamento: dois amigos – ou dois conhecidos – aparecem num telefonema, falam sobre coisas avulsas e terminam a charla prometendo que têm de “combinar um café” para “um dia destes”. É uma promessa com linhagem dos políticos, aquelas que se afivelam na boca que não consuma as intenções apalavradas.

“Um dia destes” é a geografia do nunca. O nunca que o pudor manda esconder das palavras ditas; seria uma prova de descortesia, o aval à impressão que a companhia do outro não é desejada ao ponto de encontrar tempo na agenda (esse mal: está sempre tão preenchida, menos naquelas alturas em que não se sabe o que fazer) para um encontro breve com essa pessoa que o olhar já não avista há tempo, talvez, de menos.

 “Temos de tomar um café um dia destes” é a manifestação de um nunca que não se admite. Ou de um adiamento que se vai adiando de adiamento em adiamento até acabar por ficar selado no rosto do nunca: um deles morre antes que ao “dia destes” tenha sido reservado um lugar competente no calendário. Envelhecer dita um esquecimento obrigatório que se consolida nas estantes do tempo, como se fosse necessário esquecer partes de um passado sobre o qual nem existem queixumes. É uma nostalgia despida de conteúdo, o olhar militantemente escanção do tempo que se vive e do futuro quando lá chegar.

Ou então, o “dia destes” que não tem cabimento mostra a desimportância de alguém. Talvez do par que constantemente jura que ao chegar um “dia destes” farão das tripas coração para irem tomar um café e pôr a conversa em dia. E ficam sem saber se o café sucessivamente prometido para “dia destes” é o desagravo da nostalgia que não se quer ateada, ou se a conversa em dia é aferida pela distância de um telefonema. Ou se eles são, afinal, pouco menos do que mutuamente irrelevantes.

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