13.2.24

A esperança é constitucional (e a bola é redonda, e outros lugares-comuns que tais)

Fatboy Slim, “Sunset (Bird of Prey)”, in https://www.youtube.com/watch?v=zKEWdRPRf3I  

Agarremo-nos às saias da esperança, que temos pela frente uma boia de salvação: será empreitada difícil as coisas ficarem piores. É um direito constitucional, daqueles que não guardam a possibilidade de retrocesso. Uma forma diferente de garantir às hostes que a cidadania não será agravada por um recuo no estado de coisas em que vivem.

É melhor do que um cenário que piore o estado das coisas. Num mundo ideal (que nem nos sonhos existe), aspiramos a ficar melhor. É inerente à condição humana e atravessa séculos e séculos de História da humanidade. Hoje as expetativas estão assimiladas por baixo. O contentamento afere-se por uma bitola rasteira, sem a exigência dos grandes cometimentos. Assim se reconfigura a esperança: ao menos, que não venha daí mal maior dos muitos que nos inquietam. Bem-haja à Constituição metafórica que nos garanta este desiderato.

Dizem: a esperança nunca fez mal a ninguém. Tirando os que mergulharam nas profundezas da angústia ao serem esbofeteados pela desilusão, a esperança não é uma bigorna que se abate estrepitosamente sobre os que a ela se agarram. Os descaminhos fazem parte do caminho, mesmo que sejam desvios imprevistos ou que remodelem a rota que estava a ser transitada. A desconfiança cavalga à medida que somos vítimas de logros inventados pela indigência dos outros que nos tratam como incapazes. Nem sempre amanhece um sol radioso e também acontece o entardecer ser colonizado pela chave entediante. Os dias prosseguem, todavia.

O que nos safa, é sabermos que a esperança nem sempre se confirma. Quando se confirma, o feixe de sensações que arrepiam a pele ultrapassa as longas temporadas em que já não acreditamos no património da esperança. Nem que seja uma efemeridade. Se os papeis estivessem invertidos, e a exceção fosse o olhar protestado contra as desavenças com o mundo litigante, não conseguíamos extrair todas as vitaminas da esperança e daquilo que ela habilita. É melhor manter a rédea curta à esperança. Se nos habituarmos de mais à esperança vulgarizada, caímos no logro da sua banalização. Os direitos adquiridos só têm validade se não forem maximizados, para não perderem as qualidades intrínsecas.

Ou então, podemos arremeter pelos vastos campos dos lugares-comuns e começamos a ser atraiçoados pelo cansaço do que deixa de ter proveito. Apesar da Constituição não proibir a esperança e uma gesta de mandantes (e de concorrentes a sê-lo) exorbitarem da esperança e serem os maiores fautores das desilusões que acabam tatuadas na pele perene, passando a ser perenes tatuagens, à prova de pomadas medicinais. 

Somos vítimas daqueles que protestam, em concurso, a nossa confiança. Acabamos vítimas de nós mesmos. E contra isto não há esperança constitucional que tenha pergaminhos.

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