20.2.24

As estrelas não entregam avisos de receção

NewDad, “Sickly Sweet”, in https://www.youtube.com/watch?v=vLldYqAcCm4

De provérbio em provérbio, as mãos andavam pegadas como se fossem irmãs siamesas. Olhavam muito para o céu. Acreditavam que o futuro estava escrito nas estrelas, mas tinham azar quando o inverno ocupava o céu com nuvens demoradas. Fosse como fosse, preferiam as mãos na serventia de oráculos.

Viciados no futuro, desaprendiam os outros tempos. Diligenciavam as melhores prosas para nivelar o futuro pelas esperanças fermentadas num otimismo que não admitia correções. Se fossem ao psiquiatra, diria que estavam sintonizados com a matéria futura porque não sabiam dirimir as consumições em que o presente é pródigo. Iam adiando. Iam-se adiando, ficando veteranos à espera de redenção. Se lhes perguntassem de onde vinha a redenção, apenas sabiam dizer que estava apalavrada no futuro. Nunca lhes disseram, em retorque, que não fora essa a pergunta.

Podiam passar noites inteiras à boleia de um miradouro, dissecando as estrelas que compunham o céu. Apanharam alguma estrelas cadentes, mas nunca atribuíram significado, nem que fosse pela metáfora que se insinuava. Eles não eram estrelas, nunca foram e não aspiravam a sê-lo. Se estrelas havia que estavam cadentes, não podiam ser eles. O indomável ânimo no futuro era prova do contrário. Quase metafísico, o penhor do porvir era gramática incompatível com a decadência. A decadência não seria para eles, convencidos que a morte seria generosa e poupá-los-ia desse agravo.

Ao lado, alguém segredou: “as estrelas não entregam avisos de receção”. O que vier no dorso do futuro está apalavrado à contingência. Ninguém devia aprisionar o devir a um fardo de incerteza, tão pesado. É como navegar sem bússola, sem cartas marítimas, sem saber para onde levar o navio. É como tentar falar num idioma sem o ter aprendido.

Também havia quem dissesse, em abono da sua aventura, que as melhoras encomendas são as que não sabem a morada do destino. E assim, descansados pelo aviso favorável, continuavam a pernoitar em cumeadas olhando militantemente para o céu aliviado de nuvens. Podia ser que dali seguisse o avio para alguma literatura. Nem que fosse essa a minimal recompensa.

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