15.2.24

Os excluídos (por conta própria)

Perfume Genius, “Nothing at All” (live at the Palace Theatre), in https://www.youtube.com/watch?v=ZtUuMPTbcbc

Contra a parábola da pertença, contra as insinuações de “cimento social” que autorizem a tutela dos engenheiros sociais, contra imperativos categóricos, contra a amálgama a que estamos condenados quando somos ungidos pelo dedo protetor dos que nos pastoreiam, contra as alcáçovas que prometem miragens.

Contra arbitrariedades escondidas no formalismo do regime, contra os vultos que se disfarçam de senadores, contra os meirinhos que aparecem depois na cadeia de comando, contra os plumitivos que reproduzem acriticamente a doutrina oficial (como se estivessem apenas a soldo), contra os que povoam a base da pirâmide e aceitam tudo sem pestanejar (porque aceitar a estabilidade é o seu dever primeiro).

Contra as patranhas disfarçadas de eloquência, contra as tresleituras que avariam o fusível do entendimento, contra as castas disfarçadas de outra coisa qualquer, contra os véus baços que se abatem sobre a inteligibilidade do sistema, contra os farsantes que primam pela apatia, idiotas úteis do sistema, contra os cultores de provérbios, contra os lugares-tenentes que aspiram a subir na escadaria social, contra os mitómanos profissionais que trepam às costas do oportunismo. Contra, e sempre, o que aprouver ser do contra.

A favor da liberdade, contra os que a limitam com pretextos extravagantes que correspondem a falsificações. A favor da não pertença, contra os sacerdotes que empunham bandeiras irrenunciáveis e entoam hinos atávicos. A favor da vontade, sem deferir as algemas disfarçadas que colonizam a dilação. A favor da incoerência, se ela acontecer por acaso ou se for intencional, contra os tribunais supremos que intuem a não linhagem humana do erro. A favor do nomadismo, quando anunciam os bons ventos futuros da pertença habitual; e a favor do sedentarismo, quando os profetas sem assinatura legível aconselham o exercício, tão preocupados, mais do que nós mesmos, que possamos morrer.

A favor da exclusão, da antipatia, da misantropia dedicada, das provocações mal recebidas, da desconfiança dos metodicamente otimistas. A favor do céu obscurecido perante os magnatas do pensamento imprescindível. A favor das páginas ao acaso, das estrofes sem regras. A favor das assinaturas que mudam todos os dias. A favor dos labirintos cheios de palavras cruzadas, contra a indigência dos que dispõem o nivelamento por baixo. A favor da liberdade das artes e das letras, contra os que ditam os modismos. A favor da Liberdade, na suas múltiplas aceções. A bem da liberdade dos que o quiserem ser, sem concessões que a hipotequem, sem transigir com a exigência máxima daqueles que a querem delimitar.

A favor das bandeiras despojadas, dos hinos dilacerados, dos senadores depostos, da inelegibilidade dos mandantes apanhados em flagrante mentira, da bênção sem rito aos que souberem dizer repetidamente “não” quando forem convidados a tolerar as intolerâncias dos outros. 

A favor dos excluídos, para que nunca precisem de ser incluídos.

Sem comentários: