14.2.24

Onde estão as lágrimas dos velhos?

Cocteau Twins, “Know Who You Are at Every Age”, in https://www.youtube.com/watch?v=Jh5dFh1hWHI

Os olhos não marejavam. Pétreos, podiam ser alicerces de arranha-céus. Dos velhos se dizia serem corações de ferro que secaram o manancial das lágrimas. Pudera: já tinham sido vítimas de tantos sobressaltos, consumidos por tantas angústias, que agora eram carne dura, cansada, mas à prova de bala.

Os rostos dos velhos desaprenderam o sorriso. Eles desaprenderam a confiança. Não exibiam queixumes em público, mas tinham razões do mundo que não fora pródigo com eles. A rudeza no trato não era de propósito; era uma defesa que hasteavam contra as vinganças vindouras que o mundo preparara. Estavam seguros desta profecia. Tinha sido sempre assim. Podiam arriscar esta História do futuro.

Obliteravam as lágrimas até quando as emoções irradiavam. Apertavam o estribo que cerceava as emoções quando pressentiam que podiam ficar frágeis. Um arnês contra os contratempos que dispensavam. Era desta matéria granítica que se compunham. A experiência dera para erguer um muro de segurança contra os hostis elementos exteriores. Não se esperassem emoções visíveis. Já tinham guardado essa bandeira numa arca que não tencionavam reavivar.

Os olhos secos eram a fiança para não voltarem a ser feridos. Já chegara: as feridas dos tempos idos, agora traduzidas em indisfarçáveis cicatrizes. Diz-se que as cicatrizes enrijeceram a alma, imunizando-a contra as lágrimas. Os velhos não precisavam de lágrimas. As que verteram tinham esgotado a fonte. Como se tivessem sido acometidos por um estio prolongado e não houvesse motivos para o espólio de lágrimas reservado num de si lugar recôndito. 

Diziam: as lágrimas são uma perda de tempo. Não fornecem atalhos seguros para superar as inquietações que as habitam. Não o diziam em tom marialva. Pois “os homens também choram”. Eles eram a expressão válida do adágio virado do avesso. A extinção das lágrimas não evocava uma masculinidade vívida que, naquela idade, já não tinha palco. 

Os olhos cansados não podiam ser olhos marejados. Não podiam ficar embaciados pelas lágrimas rebeldes. De tão cansados, tinham de se guardar para a lucidez necessária. Não era o passado dardejado por angústias que extinguira as lágrimas. Era a necessidade do futuro que se abreviava na contagem dos dias.

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