Groove Armada, “My Friend”, in https://www.youtube.com/watch?v=JxohJX9ElpE
Não era de pontes que o medo era feito. Também não era de fantasmas, que os fantasmas não passam de fantasmas. Que ficassem para memórias vindouras, aquelas que entram em ebulição em águas-furtadas, os exorcismos que não pedem tábua rasa. O olhar não estremecia ao ser assaltado por sismos ou vulcões saídos do sono. Por que haveriam de perder o sono por causa de vultos incorpóreos?
As pontes traduziam as diferenças, como se fossem a língua-franca de que precisavam os que não conseguiam falar entre si. Os vitrais de igrejas devolviam as faces rosáceas, como se estivessem inebriadas pelo encantamento de poderem viver. Não se construa a metáfora da dívida eterna pelas vidas que foram dadas a viver. As pessoas é que são titulares da matéria vivente, não devem nada. Se fossem atropelados os pesadelos, talvez não franzissem o sobrolho, talvez não amadurecessem na decadência prometida como sinal de efemeridade. Não era isso que importava: podiam ser acusadas de frivolidade, mas estavam de atalaia às coisas comezinhas. A filosofia ficava para os que se demoram nos interstícios do pensamento.
Se não fossem atribuídas as dúvidas aos filósofos, os demais não teriam cabimento no sortilégio do mundo. Os filósofos fazem um favor às outras pessoas. Desoneradas do pensamento inquisitivo, podem espalhar os corpos indolentes no passo vagaroso. Esse devia ser o direito fundamental mais fundamental. As abelhas-mestras não conspiram contra os demais; deixam-nos a fazer o papel de obreiros, mas outorgam um direito (quase divino, caucionado) ao repouso.
O que as pessoas querem é serem os autores das suas próprias ovações. Querem morder no calcário do futuro para não perderem o paradeiro do presente. Recusam miragens sem sedimento. Recusam os formulários vagos onde se ajuramentam paraísos que encarnam mentiras (sem que delas tomem conhecimento). As pessoas precisam de ir ao osso e virá-lo do avesso. Sem a consciência social a adejar sobre elas com o bafo nauseabundo dos cosmonautas do devir, sem as mãos armadilhadas por frutos consagrados à podridão, sem mares que se esvaziam com o torpor dos tempos sem pátria visível.
Precisam do osso do avesso, para saberem que também são o seu lado visível virado ao contrário.
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