29.2.24

Prólogo

Radiohead, “Lotus Flower” (live from the Basement), in https://www.youtube.com/watch?v=JAhywJkalUE

Da terra feita de fogo, o gelo em moldura para ser narcótico – ou apenas uma vidraça que disfarça as dores de quem é por ser refém dos sobressaltos. Há um sortilégio na passagem do tempo, como se tudo fosse uma frágil construção à mercê de conspirações obscuras que confirmam a negatividade de tudo.

A matéria fina não transige com as tergiversações: é preciso inventar a determinação para se sobrepor à tibieza de quem anda à boleia de interrogações sucessivas (ouvia dizer amiúde). Por mais que os filósofos ensinassem que não são as respostas que importam, mas ter o dom de saber formular as perguntas, à medida que as perguntas se empilhavam parecia sentir a sua tonelagem a esmagar o ar. 

Era preciso voltar às origens. Parar no tempo e arranjar um lugar para apreciar o espaço, pedindo ajuda ao espaço na interior peregrinação que abonasse um calibre a preceito. Tinha de se convencer que o inventário de interrogações sem resposta não é uma maldição. Ao contrário de outros, que muito se prezam e veneram a sua incomensurável sapiência, firmava as mãos na olímpica humildade de quem recorre ao velho, mas sempre novo, aforismo de que só sabe que nada sabe. As interrogações são o cabo de atalaia sobre a imensa enseada que parecia consumida nos prantos da sua orfandade.

A prodigiosa paisagem é como um sinal sem linguagem catalogada. As interrogações herdadas do passado não têm o peso da ausência das respostas. As pedras sob os pés impedem a fulgurante anestesia dos sentidos; são elas que ateiam a ininterrupta atalaia, como se fosse preciso ser testemunha a tempo inteiro das demandas do mundo, das demandas que traziam os sentidos em perene combustão. O corpo paira sobre o vazio de um fiorde, como se os braços conseguissem alcançar as margens que distavam entre o precipício. As metáforas alinham-se para o concurso de ideias. Somos inteiros quando preenchemos o glossário com os sentidos irrequietos das palavras. Devíamos arranjar metáforas como alternativa às respostas.

Podemos ser apenas prólogo; ninguém diga que é obra acabada, ninguém jure que não houve perguntas órfãs de respostas, que só o consentimento da sepultura o atesta. Nessa altura, a voz emudecida já não alinha interrogações.  

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