7.3.24

Biblioteca

Interpol, “Not Even Jail” (Ghost Session), in https://www.youtube.com/watch?v=8LSttYNMY8Q

As bibliotecas guardam o espólio que soma todas as horas que os autores usaram para alimentar as bibliotecas. Devia haver um matemático a somar todas essas horas: teríamos um número que ultrapassa o número de dias que o mundo teve até hoje. A seguir, deviam-se erguer estátuas às bibliotecas e a autores, escolhidos à sorte, cujos nomes estão entre os inventários das bibliotecas. 

As bibliotecas guardam o mais precioso bem que define o património da humanidade. Era bom saber quantos quilómetros de chão dava para atapetar se as páginas dos livros arquivados fossem convertidas numa métrica do espaço. Devia-se encomendar a outro matemático a empreitada de converter as páginas em quilómetros, para se concluir que as bibliotecas são maiores que o tamanho do mundo.

As bibliotecas não deviam estar fechadas à noite e nos feriados. Deviam ser de acesso livre. Não devia haver tempo máximo de presença numa biblioteca. Deviam ensinar aos menos habituados com a leitura a saberem usufruir do tempo que os habilita a leitura de um livro. Talvez devesse haver tutores dentro das bibliotecas, para as pessoas serem aconselhadas nas suas leituras. 

Os que recorrem à indexação de livros numa biblioteca deviam proibir os censores de proibirem certos livros que ofendem os seus cânones. As bibliotecas são espaços de liberdade, onde devemos encontrar livros malditos, livros adorados, livros indiferentes, livros odiados, livros recompensa, livros antítese, livros paradoxais, livros-livro, livros anónimos, livros heurísticos, livros incompreensíveis, livros bagatela, até livros que nem mereciam ser livros. Sem rótulos que sejam cicerones do utente, que nos utentes seja entronizada a empreitada de atribuir categorias aos livros habilitados.

As bibliotecas não deviam pagar impostos. A compra de livros devia estar isenta de impostos. Devia haver matemáticos para calcular o tempo que os leitores dedicam à leitura e depois somá-lo, para concluírem que esse tempo também ultrapassa o tempo sabido do mundo. As bibliotecas podem ser lugares de fingimento ou de demanda de conhecimento. Podem ser um esteio da cultura, e ainda ninguém se lembrou de invocar para elas o estatuto de património da humanidade. As bibliotecas são profanadas quando há gente que não pega num livro como se o livro tivesse a peçonha de que não querem contágio. Os que andam arredios de um livro deviam-se importunar com a ideia de estarem a ser usados para a banalização da vida.

As bibliotecas deviam ser lugares que desmentem a frivolidade coetânea.  Deviam ser procuradoras das palavras que ganharam moldura perene. Devia ser possível fazer perguntas às bibliotecas, para serem o fundamento da inteligência natural.

Sem comentários: