4.3.24

Seríamos ninguém sem o atrevimento (solilóquio anti conservador)

Yard Act, “An Illusion”, in https://www.youtube.com/watch?v=szSI6KXP2eo

I

Os lobos não têm medo de uivar. São tremores de terra que remexem as serranias, de colina em colina, atravessam a claridade com a exuberância de uma voz funda. O uivo é o idioma das serranias, um fantasma que desce até aos povoados. Os lobos foram feitos para serem predadores. Não devem ser perjurados se essa é a sua natureza. Errados estão os que não transcendem as fronteiras mentais e os julgam como se fossem pessoas.

II

Os ambiciosos são o mote para os que militam na desconfiança. Querem participar de outra condição, superior à casa da partida. Quando chegam à meta, depressa avançam para outra casa da partida. Parecem eternamente insatisfeitos, subindo a exigência de cada vez que alcançam um feito. Há quem desconfie da ambição sem medida. Julgam que os ambiciosos não olham a meios para chegarem aos fins. Confundem ambição com falta de escrúpulos. A generalização é o fardo que pesa sobre os que tresleem os ambiciosos. 

III

 Os bardos querem ser parte do hino. A fecundidade da sua obra é (acreditam) o salvo-conduto para um lugar num panteão. Não sejam ajuizados pelas genuflexões que pedem sem cessar, ou pelas honras (de preferência em vida, que depois de a morte os visitar já não constam entre os vivos para as testemunharem). O pecúlio que deixam é imaterial. É esse que deve subir à balança para ser catalogado.

IV

Os que olham para o futuro com o desassombro de o mudar esbarram no sindicato dos situacionistas. O pendor conservador não sabe lidar com a contingência. Teme a incerteza que não se desamarra do porvir. E mesmo que admitam as fragilidades do presente, e que saibam das privações de muitos que não conhecem a dignidade, mantêm a ancora descida sobre a situação existente. Têm medo da sublevação do futuro.

V

Acorrentados à inércia, o numeroso contingente de gente apática desfalece por dentro. São reféns da sua indiferença. Cúmplices dos que se arrastam pelo tempo sem serem procuradores da dignidade. Não se importam de medrar no limiar da miséria. Continuam a ser o programa cautelar de um conservadorismo de castas. Os apáticos são os piores inimigos de si mesmos.

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