8.3.24

Contra a “pázição” de tudo

Killing Joke, “Love Like Blood”, in https://www.youtube.com/watch?v=TnpwuRlXbhk

Lá por não sermos a favor das solenidades não quer dizer que sejamos partidários da desformalização de tudo. Por este andar, um dia andávamos despidos dos cuidados no trato e decretava-se o indiscriminado tratamento por tu, para provar à força que somos todos iguais (se afinal não somos). 

Antes que sejam dedicadas umas valentes pazadas a todos os que nos apareçam pela frente, estacionemos o pensamento num miradouro: que tratemos os amigos por “pá”, como movimento pavloviano denotativo da proximidade e, por aí, de uma certa medida carinhosa do tratamento, é aceitável; que estendamos a “pázição” a outros, que não devíamos tratar por tu, é excessivo. Acabar uma alocução dirigida a outro com “pá” tem o mesmo efeito de o tratar por tu. Não temos toda essa confiança com quem não a depositou em nós ao ponto de o tratarmos por um afetuoso “pá”. Uma coisa que não pertence ao seu lugar deve ser resgatado do seu estatuto de paradeiro tresmalhado.

Destinar um “pá” a alguém é um refrão que só se usa na manifestação de um afeto. Não se for dito com a entoação marcial dos militares, que deixam cair um “pá” no final da frase como quem exibe garbosa e tóxica masculinidade (ou um arroto a meia da função, na tasca do lado). O “pá” é o amigo, o ente querido, ou, se a analogia não for interiormente custosa, um conhecido com alguma presença. A banalização do “pá” pode ser desconfortável para aquele a que o “pá” se destina. Na ótica de quem o utiliza, a sua repetição transforma-se num vício expressivo, como se fosse uma vírgula a destempo precedendo o ponto final da alocução.

A generalização do “pá” (ou a “pázição” de tudo) é uma trivialidade. Desmonta a familiaridade quando se usa o “pá” no seu entendimento original. A “pázição” soa a facilidades oficializadas pelo enraizamento da expressão. Não queremos ser todos doutores e engenheiros, que o nome que temos não foi registado com o doutor ou o engenheiro a precedê-lo. Mas também não queremos estar todos ao mesmo nível do tratamento que os outros nos dispensam. 

Dispensamos essa igualdade que não passa de um fingimento. 

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