26.3.24

Matéria avulsa

Yard Act ft. Katy J. Pearson, “When the Laughter Stops”, in https://www.youtube.com/watch?v=qFUUhgnclNo

“Pensar é uma actividade que se assemelha a pescar à linha. É preciso ter paciência, esperar, até que alguma ideia morda.”

Paulo Tunhas, in Observador, 11.03.21.

I

A formação das nuvens: conspiram os ventos com o dorso do dia para as mutações das nuvens. Às vezes, vemo-las nas suas metamorfoses, ateadas pelo vento voraz e pelas forças insondáveis que nelas se congeminam. Amadurecem. Ou vão a favor do vento, quando o vento se apressa a chegar a outros lugares e desembacia o horizonte, agora averbado pelo céu despejado de nuvens.

II

O leigo aprecia as cartas meteorológicas, uma coreografia de linhas que se estende do Atlântico às terras continentais. Aprecia a estética das linhas isobáricas, sem perceber o que elas significam. A arte é isso mesmo. A liberdade de ver arte num objeto sem ter de explicar o feixe de significados que falam através do objeto.

III

A violência não devia fazer parte dos compêndios. Com uma exceção: usar a violência para destronar os que se montam nas arcadas da violência gratuita e à sua conta exercem poder. Violência, só para subjugar a violência sem freio que se abate sobre os que forem, ao acaso ou não, as suas vítimas. Fazer engolir a violência quando obras de arte são os meios dos algozes que querem chamar a atenção para outras causas sem relação com a arte. Sem ponta de vingança, obrigando os algozes a provarem do seu veneno. 

IV

Tudo é algoritmos. A inteligência está em vias de desumanização – ou de ser colocada num lugar subalterno, atirada toda a glória para cima da inteligência artificial. Ninguém se preocupa com a agência. Nem com a diligência que nos convida à letargia. Entreguemo-nos nas delícias de uma inteligência que pensa por nós. Não nos admiremos de estarmos a caminho de uma colonização dolosa. De uma colonização sem retrocesso. 

V

Não sei se à conta da preguiça, ou de ser mais confortável encontrar procuradores em nosso nome, ou se é apenas a indolência fatal que não ecoa o hedonismo que compõe o mapa do tempo presente; não sei se são marés contaminadas de disfarces e indulgências que povoam tudo de cores garridas; ou se os tempos caminham para a absolvição das quimeras que se sobrepõem ao pensamento: temos tudo a temer, um mar de sombras que expropria a liberdade de ser, os vultos inominados algemados ao leme que vai no sentido do precipício.

VI

O pensamento bateu em retirada. Cansou-se de ser insultado. Refugiou-se nas ameais de castelos decadentes, envergonhado da castração. Sobretudo envergonhado daqueles que capitularam.

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