30.4.24

Vergonha em público

Deftones, “Bloody Cape”, in https://www.youtube.com/watch?v=0mnXzCCpctU

Um programa de televisão sai à rua para interpelar o cidadão sobre o conhecimento do idioma e os trinta segundos de fama transformam-se em trinta segundos de vergonha: ele há muitos cidadãos que não sabem a resposta certa e outros quase tantos que hesitam e atiram para o ar a resposta por acaso certa.

As pessoas aspiram aos seus “cinco minutos de fama” – que não duram tanto tempo, que o tempo nas televisões é dispendioso e nenhum anónimo tem direito a tanto tempo de antena. Mas as pessoas procuram aquele momento redentor em que irrompem do anonimato e passam a ser, ainda que numa medida efémera, rostos públicos e nomes com nome.

O problema, é que as pessoas podem sair do anonimato pelas piores razões. É o que acontece quando pastoreiam a ignorância em público, ficando a jeito da chacota alheia (ainda que os que escarnecem de si não possam dizer que não podiam estar na figura risível que serve para troçarem dos outros). A sociedade que ensina as múltiplas dimensões da democracia não se cansa de apregoar o direito à igualdade. A visibilidade pública já não é um exclusivo dos “notáveis” que usavam privilégios para terem a seu favor o usufruto de um tempo desproporcionado na praça pública. 

Os juízes implacáveis, que fazem abater sobre o ingénuo ignorante a sanha dos críticos sem contemplação, dirão que os tempos marcados pela miragem da igualdade são aziagos para os publicamente ignorantes. Ninguém gosta de ver dedos inquisidores apontados na sua direção, proclamando o desconhecimento avivado aos olhos de toda a gente. Ninguém gostará de subir a palco para ser o sujeito do escárnio dos outros. Ninguém gosta de ver a pele tingida pela humilhação. E, todavia, o cidadão subitamente desanónimo arrisca a resposta à frente da câmara algoz que o filma; arrisca a peregrinação da ignorância que mostra a sua dimensão tremendamente humana, apenas humana. 

O que arruma a perplexidade não é tanto a propensão para falar sobre o que não se sabe – ele há muitos comentadores públicos que falam de cátedra, desfilando pura ignorância sobre o assunto comentado. A maior perplexidade é a que conta os tolos que chacoteiam o erro do outro, como se o erro não fosse intrínseco à (também) sua própria natureza.

O programa de televisão desfila o público desconhecimento do idioma. E depois? Saibamos, ao menos, aprender com os erros em barda que são a prova viva das disfuncionalidades idiomáticas do cidadão.

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