28.5.12

Às asneiras que ficaram por fazer (2)


In http://yotamak.blogs.com/.a/6a00d8341c145e53ef01116896db81970c-800wi
Já que tinha obtido a bênção do velho, não podia capitular diante da covardia. O velho entreabrira as portas da experiência. Ainda hesitou. Uns segundos. O velho começou a mostrar impaciência, desviou o olhar para o lado contrário. Encheu-se de coragem e ordenou o pensamento que parecia caótico.
O resto foi um longo monólogo. Sem olhar o velho nos olhos, os olhos sempre absorvido pelo firmamento que era uma concha formada pelo ângulo aberto dos dedos entrelaçados. O velho fundira-se no seu silêncio. E não era essa a serventia que esperava? De resto, o velho não lhe parecia tarimbado em lições de moral. Havia naquelas rugas, na aspereza com que falara, um vazio para as ingenuidades que atraiçoam os percursos.
Deitou-se ao monólogo. Eram consumições do tempo pretérito. Mas não eram erros trazidos pela mão envenenada dos atos, eram as omissões que se encavalitavam no sopé da devastação. Queria ter feito o que não fez quando talvez a idade fosse caução. O pior era o arrependimento que o apoquentava. O maior fantasma. Acordava a meio da noite, suado, tomado por palpitações sonoras, e recordava uma funda voz que sussurrava ao ouvido “não fosses timorato, não te deixasses aprisionar pela apatia”. Às vezes, revoltado com a voz melodiosa que ecoava vinda de um nada, irrompia em fúria devastadora. Se pudesse, se a exigível coragem estivesse à mão, reduzia tudo a um amontoado de vestígios sem sentido. E foi debitando a lista dos não acasos que embaciavam o tempo corrente.
O velho ouvia com paciência. Quando a clepsidra se deitou e o monólogo findou, perguntou-lhe: “se os dois sabemos que os arrependimentos são palavras vãs, de que te serve continuar a molhar as mãos num passado que poderia ter sido?” Ele, com os olhos raiados pelo cansaço das noites mal dormidas, admitiu: “tenho medo do que podia ter sido”. 

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