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Já que tinha obtido a bênção do
velho, não podia capitular diante da covardia. O velho entreabrira as portas da
experiência. Ainda hesitou. Uns segundos. O velho começou a mostrar
impaciência, desviou o olhar para o lado contrário. Encheu-se de coragem e
ordenou o pensamento que parecia caótico.
O resto foi um longo monólogo.
Sem olhar o velho nos olhos, os olhos sempre absorvido pelo firmamento que era
uma concha formada pelo ângulo aberto dos dedos entrelaçados. O velho
fundira-se no seu silêncio. E não era essa a serventia que esperava? De resto,
o velho não lhe parecia tarimbado em lições de moral. Havia naquelas rugas, na
aspereza com que falara, um vazio para as ingenuidades que atraiçoam os
percursos.
Deitou-se ao monólogo. Eram
consumições do tempo pretérito. Mas não eram erros trazidos pela mão envenenada
dos atos, eram as omissões que se encavalitavam no sopé da devastação. Queria
ter feito o que não fez quando talvez a idade fosse caução. O pior era o
arrependimento que o apoquentava. O maior fantasma. Acordava a meio da noite,
suado, tomado por palpitações sonoras, e recordava uma funda voz que sussurrava
ao ouvido “não fosses timorato, não te
deixasses aprisionar pela apatia”. Às vezes, revoltado com a voz melodiosa
que ecoava vinda de um nada, irrompia em fúria devastadora. Se pudesse, se a
exigível coragem estivesse à mão, reduzia tudo a um amontoado de vestígios sem
sentido. E foi debitando a lista dos não acasos que embaciavam o tempo
corrente.
O velho ouvia com paciência.
Quando a clepsidra se deitou e o monólogo findou, perguntou-lhe: “se os dois sabemos que os arrependimentos
são palavras vãs, de que te serve continuar a molhar as mãos num passado que
poderia ter sido?” Ele, com os olhos raiados pelo cansaço das noites mal
dormidas, admitiu: “tenho medo do que
podia ter sido”.
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