18.5.12

Contencioso psiquiátrico


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O divã ganhara espinhos. As sessões de acompanhamento psiquiátrico deixaram de ser terapêuticas. Os espinhos atravessavam-se na garganta a cada visita. Estava desconfiado. Numa das vezes descobrira o psiquiatra de cabeça tombada num sono impertinente.
Não lhe ocorrera que as suas histórias – como tantas outras que passavam em putrefacta fila naquele divã – eram insuportáveis para o especialista. Talvez o primeiro a carecer de intervenção psiquiátrica fosse o psiquiatra. Quando errava a caminho de casa, ao cabo de mais uma sessão terapêutica (para lhe chamar o nome consensualizado), esse era o pensamento que tomava conta do tempo sobrante: pesaroso psiquiatra, que de tanta enxurrada de pessoais problemas e taras e desequilíbrios já nem sabia o que era a sua própria normalidade. A condescendência parecia ser o efeito imediato das sessões. Da vez seguinte, já sem o efeito balsâmico e depois da poeira ácida depositada pelos pesadelos noturnos, arrimava ao consultório possuído por uma fúria indomável. O psiquiatra era o vazadouro.
A cada semana o conflito crescia. Ao início, o psiquiatra era profissional. Não respondia às provocações. Mas o homem não tinha sangue de barata. Um dia que acordara mal disposto (que as pessoas, por ser comuns, têm o direito a estar com os azeites), respondeu à letra à provocação. Até era coisa de somenos importância, aquela à que reagira em tom desabrido: “as cortinas deste consultório são demodés”, atirou, em rota de colisão com o contexto que estava, o paciente, acompanhando um sorriso cínico. O psiquiatra não se ficou e a resposta só demorou um punhado de segundos: “meta-se na sua vida; tomara os seus problemas terem a serenidade destas cortinas”.
A relação foi sendo mais tumultuosa. E, apesar das juras de rompimento (“um dia destes deixo de o aturar” – ameaçou o paciente; ao que o psiquiatra retorquiu “até abria uma garrafa de champanhe”), não passavam um sem o outro. As sessões e o divã e o psiquiatra eram uma anti-terapia que se transformavam em paradoxal cura.

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