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O divã ganhara espinhos. As
sessões de acompanhamento psiquiátrico deixaram de ser terapêuticas. Os
espinhos atravessavam-se na garganta a cada visita. Estava desconfiado. Numa
das vezes descobrira o psiquiatra de cabeça tombada num sono impertinente.
Não lhe ocorrera que as suas
histórias – como tantas outras que passavam em putrefacta fila naquele divã –
eram insuportáveis para o especialista. Talvez o primeiro a carecer de
intervenção psiquiátrica fosse o psiquiatra. Quando errava a caminho de casa,
ao cabo de mais uma sessão terapêutica (para lhe chamar o nome
consensualizado), esse era o pensamento que tomava conta do tempo sobrante:
pesaroso psiquiatra, que de tanta enxurrada de pessoais problemas e taras e
desequilíbrios já nem sabia o que era a sua própria normalidade. A
condescendência parecia ser o efeito imediato das sessões. Da vez seguinte, já
sem o efeito balsâmico e depois da poeira ácida depositada pelos pesadelos
noturnos, arrimava ao consultório possuído por uma fúria indomável. O
psiquiatra era o vazadouro.
A cada semana o conflito
crescia. Ao início, o psiquiatra era profissional. Não respondia às
provocações. Mas o homem não tinha sangue de barata. Um dia que acordara mal
disposto (que as pessoas, por ser comuns, têm o direito a estar com os azeites),
respondeu à letra à provocação. Até era coisa de somenos importância, aquela à
que reagira em tom desabrido: “as cortinas deste consultório são demodés”, atirou, em rota de colisão com
o contexto que estava, o paciente, acompanhando um sorriso cínico. O psiquiatra
não se ficou e a resposta só demorou um punhado de segundos: “meta-se na sua
vida; tomara os seus problemas terem a serenidade destas cortinas”.
A relação foi sendo mais
tumultuosa. E, apesar das juras de rompimento (“um dia destes deixo de o
aturar” – ameaçou o paciente; ao que o psiquiatra retorquiu “até abria uma
garrafa de champanhe”), não passavam um sem o outro. As sessões e o divã e o
psiquiatra eram uma anti-terapia que se transformavam em paradoxal cura.
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