In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzdVVPDC8T8V2Sn1aQBSYK0kOGe_UiWpycoSKWBLr17miyJsdg3cSdAW5nRIKgqFVxfODdX-1jYF9bbP65GTfeW1dhyeU89SN1JG-15X8yrsxhwMrVyuklGTLJwt-Et3qJMC_hXw/s1600/maos.jpg
Uma angústia dilacerante. Os
dias atravessados eram facas, longas facas, espetadas na carne. Bem fundo, para
sangrar ainda mais. As noites não eram dormidas. Não sabia se era prisioneiro
das insónias ou se apenas sonhava com insónias demoradas. A dor, essa era uma
constante. Tinha as cores todas do arco-íris, como se nenhuma cor sobrasse na
paleta dos sossegos interiores.
Uma consumição interminável. Um
desassossego intemporal. Para onde olhasse havia vértices envenenados. Arestas
vivas que cortavam os braços descuidados. Um vento que se desprendia dos freios
e soprava areia ácida para os olhos desprotegidos. Os passos entorpeciam-se, os
ossos cansados tropeçavam nas forças em extinção. Às vezes pretendia ocultar as
angústias presentes com a lembrança do que fora dantes. Era ainda pior. Não
conseguia obter, entre os vestígios demandados pela memória enfraquecida, nem
sequer difusos feixes de claridade que despontassem um sorriso. Por delgado que
fosse esse sorriso, já apenas imaginado.
As madrugadas eram um pranto da
solidão. A solidão perene, pelos minutos fora, manhã adentro, até se fazer
tarde e as luzes da cidade arrimarem, advertindo que outro dia fora gasto na
inutilidade da inércia. De cada vez que espreitava no espelho, a medo, anotava
outra ruga desconhecida no mapa do envelhecimento. Metia-se dentro do tempo,
como quem entrega demencialmente o peito às balas disparadas por um atirador
furtivo. Era como se já nada contasse, já nada interessasse. A solidão
adestrara o envelhecimento. E envelhecera apressadamente mercê da solidão a que
capitulara.
Tinha vagas lembranças de que
nem sempre fora assim. Houvera tempos talvez idílicos (a memória já não os
aclarava) em que a solidão não era companhia sobrante. Mas nunca soubera
cultivar a presença dos outros. Havia uma impaciência limítrofe, nas baias da
sua individualidade, um precoce ensimesmar que embaciava as pertenças a outros.
E odiava tanto as pertenças como, no fundo, parecia fermentar dentro de si uma
repulsa de si mesmo.
A paga, era a solidão pelo
envelhecimento fora.
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