9.5.12

Sozinho e velho


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Uma angústia dilacerante. Os dias atravessados eram facas, longas facas, espetadas na carne. Bem fundo, para sangrar ainda mais. As noites não eram dormidas. Não sabia se era prisioneiro das insónias ou se apenas sonhava com insónias demoradas. A dor, essa era uma constante. Tinha as cores todas do arco-íris, como se nenhuma cor sobrasse na paleta dos sossegos interiores.
Uma consumição interminável. Um desassossego intemporal. Para onde olhasse havia vértices envenenados. Arestas vivas que cortavam os braços descuidados. Um vento que se desprendia dos freios e soprava areia ácida para os olhos desprotegidos. Os passos entorpeciam-se, os ossos cansados tropeçavam nas forças em extinção. Às vezes pretendia ocultar as angústias presentes com a lembrança do que fora dantes. Era ainda pior. Não conseguia obter, entre os vestígios demandados pela memória enfraquecida, nem sequer difusos feixes de claridade que despontassem um sorriso. Por delgado que fosse esse sorriso, já apenas imaginado.
As madrugadas eram um pranto da solidão. A solidão perene, pelos minutos fora, manhã adentro, até se fazer tarde e as luzes da cidade arrimarem, advertindo que outro dia fora gasto na inutilidade da inércia. De cada vez que espreitava no espelho, a medo, anotava outra ruga desconhecida no mapa do envelhecimento. Metia-se dentro do tempo, como quem entrega demencialmente o peito às balas disparadas por um atirador furtivo. Era como se já nada contasse, já nada interessasse. A solidão adestrara o envelhecimento. E envelhecera apressadamente mercê da solidão a que capitulara.
Tinha vagas lembranças de que nem sempre fora assim. Houvera tempos talvez idílicos (a memória já não os aclarava) em que a solidão não era companhia sobrante. Mas nunca soubera cultivar a presença dos outros. Havia uma impaciência limítrofe, nas baias da sua individualidade, um precoce ensimesmar que embaciava as pertenças a outros. E odiava tanto as pertenças como, no fundo, parecia fermentar dentro de si uma repulsa de si mesmo.
A paga, era a solidão pelo envelhecimento fora. 

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