4.5.12

A revolução começa num supermercado

In http://www.abola.pt/img/fotos/mundos/lusa/confusaoPingoDoce.jpg
(Depois de uma prudente digestão dos factos)
Foi um golpe de Estado? Vai haver guerra e ninguém foi avisado? Vem aí um furacão desviado da rota habitual (Caraíbas) e a populaça abasteceu-se de mantimentos para umas semanas de clausura? Ou, em antecipação da morte do euro (ou da nossa saída dele), as pessoas foram às lojas antes que a moeda que viesse depois (o escudo, ou – porque não? – o Camões) depauperasse os bolsos e ficassem no sopé da faminta condição?
Tudo tiros ao lado. Foi o Pingo Doce que, à socapa, presenteou o povaréu com descontos caídos do céu (50%). As televisões passearam-se entre o caos dos supermercados, os ajuntamentos que desafiavam os cânones da lógica, a devastação das prateleiras esvaziadas como pano de fundo. O problema – dir-se-ia: a heresia – é que a manobra publicitária boicotou o primeiro de maio. Primeiro, tinha sido convocada greve do sector e os trabalhadores boicotaram o boicote dos sindicatos à abertura dos supermercados em dia que (dizem os sindicatos) devia ser de sacrossanto descanso laboral. Depois, os sindicatos, e as esquerdas em geral, estão convencidas que o golpe de asa publicitário desviou as massas das manifestações que celebram nas ruas o dia do trabalhador.
(Tenho cá para mim que as retirou das romagens aos centros comerciais.)
Estava-me nas tintas para o golpe de asa publicitário. Era o que mais faltava incomodar o sossego pessoal deitando os ossos horas a fio em filas intermináveis para pagar os víveres a preço promocional. Quem teve paciência gastou-a nas horas de espera e com alguma gente incivilizada que desviava produtos do carro de compras do vizinho e se metia em altercações com outros clientes. Deixei de estar indiferente quando esbarrei em muita malta das esquerdas a destilar ofensas por todos os poros pelo ato grotesco do Pingo Doce. Ora, não são as esquerdas que têm o monopólio da defesa dos desvalidos? Não são elas, e só elas, que cuidam dos interesses das classes desfavorecidas e do seu bem-estar? Afinal andávamos todos enganados.
Em jeito de remate: era o que mais faltava as esquerdas espremerem a sua pesporrência para darem lições de ética. Merecem, contudo, o benefício da dúvida: coitadas, pareciam baratas tontas. É compreensível que tivessem escorregado para o chinelo.

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