In http://rlv.zcache.com.br/teste_padrao_psicadelico_do_oleo_do_arco_iris_ampliaçãofotos-rb8ccf2d38197451fa05263b80f91bd96_wyy_400.jpg
Num daqueles dias em que parecia
que as nuvens embaciaram o sol para sempre. Um daqueles dias em que a azia se
consome por dentro de pensamento. Errava nas ruas. Errara nas ruas quando elas
ainda estavam apinhadas. Voltara a errar, já sob o juramento das luzes
noturnas, quando se esvaziaram de gente.
A meio da fria madrugada desaguara
num bar escuro, mal frequentado, talvez a imundície toda na amostra da fétida
casa de banho. Sentou-se ao balcão. Foi logo abordado por uma mulher gorda,
feia, com uma verruga enorme junto a um dos olhos. A mulher balbuciou palavras
ininteligíveis. Não pediu para repetir, nem se importou de saber ao que ela
vinha; apenas acenou com a cabeça em sinal de negação. Ao lado sentou-se um
homem velho, emudecido pelas rugas. O homem pediu a bebida sem olhar para o
lado. Era como se não desse conta da sua existência. Apenas desviou o olhar por
instantes para assinalar a bebida no copo vizinho. A música ficou mais baixa.
Sentiu um apelo invulgar, ao jeito de torrente de lava a emergir desde as
profundezas das veias. Tinha de cauterizar as tantas feridas revolvendo-se nos
pensamentos em sobressalto. Tinha de os passar à palavra, à palavra que fosse
escutada por alguém. De preferência, um desconhecido. Seria um acaso: sabia lá
se o velho sentado no banco do lado estava embebido na necessária
sensibilidade. O homem envelhecido parecia um brutamontes vindo da estiva, ou
das obras – mas isso eram os (habituais) preconceitos em vaga destilação.
Encheu-se de coragem. Enquanto o
velho mergulhava, sôfrego, no brandy, começou a falar. Sem que o homem
esboçasse reação. Parecia desinteressado. Deitou o nariz para fora do largo
copo, sem desviar os olhos. Cruzou as mãos enormes, também elas enrugadas,
fitou o teto preenchido por postais deixados por marinheiros que aportaram
vindos de todos os mares. Franziu o sobrolho, num esgar que ao início o
atemorizou (pensou: “não tem paciência
para me ouvir”). Fez-se ouvir numa voz poderosa e rouca, cansada pelas
rugas retratadas no rosto:
- Pareço-te psiquiatria? Apetece-te falar com alguém mais velho? Não vês
neste bar ninguém mais indicado? Acho que tens razão (depois de olhar em
redor e anuir na fraca clientela). Mas
não pressintas em mim um oráculo. Faço-te o favor. Apenas de te ouvir. Se achas
que te faz bem.
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