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Desastrado. Terrivelmente
desastrado. E com a mania, todavia despretensiosa, que era dandy. Movia-se nos corredores onde as coisas contavam porque
estavam nas mãos das pessoas certas. Mas não queria sair da sombra. Odiava
holofotes, visibilidade, entrava em pânico só de imaginar que um dia o seu
rosto (necessariamente contrariado) aparecia num pasquim.
Era dotado na palavra. A muita
retórica ensaboada era destreza hipnótica. As pessoas ouviam-no como se
estivessem enfeitiçadas. Que era bom comunicador, disso não há dúvida. E como
está em moda atribuir atenção ao efémero enfeitado com um vistoso papel
colorido, a embevecida audiência nem prestava a devida atenção aos disparates
que entoava. A fama de bom orador e a perspicácia dos pequenos gestos que
atraiam as atenções compensavam as ideias baças e deslaçadas que se lhe
soltavam do limitado intelecto.
A cada ano que dobrava no calendário,
cuidava mais da imagem. Aperaltava-se como poucos. Sabia combinar as cores das
roupas. E tinha pose de manequim, todo donairoso, espalhando um charme pouco
discreto. Os olhos grandes eram feitiço irrecusável para o sexo oposto (e, há
que o admitir, não só). As mãos grandes e quentes, a voz radiofónica, a
cortesia militante, a saudável displicência de gestos que pareciam destravados
(mas que, viera-se a saber depois, eram estudados com diligência) ditavam a
discreta popularidade. Era escutado e respeitado. Não que o conteúdo
intelectual fosse caução tamanha; eram as aparências, as malditas aparências,
que tanta coisa compõem no mundo que é este.
Mas não era má-fé. Era um pobre
incomodado pelos fantasmas interiores que ocultava do exterior. Um dia, a psicanalista,
em noite ébria, descoseu segredos profissionais. Ficou-se a saber que o espalha
brasas era um embuste de si mesmo. Propositadamente espalha brasas para obliterar,
dentro das veias, os fantasmas interiores que não cessavam de o apoquentar. No
resto, era apenas um desastrado. Quem recolhia os vestígios dessa arreliadora
condição era sempre ele próprio. Do mal, o menos.
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