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Primeiro
a ignição. Tudo tem um começo. Podem os braços decair,
apoquentados pela ausente coragem. Mas pode muito mais o pensamento. Pode mesmo
muito. Quando movido por uma indomável onda que sobressalta as entranhas, que
tudo descompõe e não deixa de pé as vassalagens aos tempos de outrora.
Forja-se
um castelo amuralhado. Onde tudo se esconde do exterior, nada com serventia
para os forasteiros. Dizem que é um autismo qualquer, um corso onde desfilam os
fantasmas que teimam em adornar as esquinas onde se vertem cálices de vinho
azedado. Os dias que soçobram na sua teimosa escuridão não ajudam. Mas de que
servem as lamentações? Qual o seu préstimo, que não seja o de alisar as paredes
que escorregam para um precipício sem fundo?
Segundo,
derrotam-se as teimosias. Todas as teimosias. Até as que julgamos não o serem.
Aquelas furibundas melancolias que transbordam das margens e acometem sobre
quem, desprevenido, nas imediações se passeia. Difícil é dar guarida aos
sedimentos de lucidez. Um dia, encontra-se o seu paradeiro. Que ao menos a
metódica parafernália para isso tenha valimento. As cortinas que dantes
embaciavam os olhos começam então a cair. Umas atrás das outras. Há de vir um
instante em que tudo se renova. É o teu refrigério. Fecha os olhos. Demora-te,
se preciso for. Não te incomodes com o vento fresco que entra na pele e corta
até os ossos. Quando o pensamento estiver em hibernação, que é quando não deres
conta dele, podes abrir os olhos.
Saberás
então que conseguiste o apagamento dos vestígios que deixavam em carne viva as
feridas que recusavam cicatriz. Quando abrires os olhos, até a paisagem será um
quadro desconhecido. Olharás para as tuas mãos, para a roupa de que entretanto
te despojaste, para a cor do céu e da vegetação limítrofe. Quando chegares à
beira do primeiro espelho, não estranhes que o rosto revelado te seja estranho.
É sinal que de ti renasceu outro. Até o lugar a que pertences é um lugar
diferente.
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