O mar, o medonho mar quando as
tempestades o enfurecem, santuário do ganha-pão. De gente destemida que, as
mais das vezes, nem sabe nadar se o mar os roubar à traineira. E mesmo assim, a
gente destemida, medindo o temor do mar com a argúcia de um relojoeiro, faz-se
ao mar em demanda do seu proveito: os peixes que foram feitos, dizem que pela
generosa mão divina, para apadrinhar um sustento de sacrifício.
Os pescadores são marinheiros
amadores. Não se julgue que são marinheiros que o seriam se pudessem
marinheiros ser: o mar não é seu lugar genético. É o escritório que os
escolheu, e eles resignados ao seu império. Cultivam um respeito sagrado. Assim
como assim, o mar que lhes traz os mantimentos pode levá-los, e sem aviso, para
a sepultura que pode ser nas suas próprias profundezas. A atividade piscatória
continua a ser um sortilégio. Os rostos fechados, curvados pelas rugas que
parecem caução de todo o salitre que neles se sedimenta, parecem ter
desaprendido a felicidade. O imaginário popular está repleto de queixumes dos
pescadores, de quão dura é a faina, de como só homens de barba rija, homens que
podiam ser piratas no tempo em que os havia, têm têmpera para irem ao mar. Pois
se é nele que está a dádiva que lhes faz a vida possível, os pescadores
hibernam os medos que povoam os pesadelos e entregam-se ao mar como ele
estiver.
Querem o seu quinhão da dádiva que o
mar tem. Manejam as artes de pesca com a destreza que não se aprende nos
livros. É outra escola da vida. Quando a embarcação se faz ao porto onde o mar
se faz chão e as amarras são atadas ao cais molhado, entoam suas preces
silenciosas. O mar foi piedoso. Trouxe o quinhão permitido e trouxe-os de volta
às mulheres. Que os esperam com o coração depositado nas mãos enquanto o mar
for tutor dos consortes.
A volta é a celebração que nunca
deixam de honrar.
1 comentário:
Os pescadores vestem a vida como ela vem. Indiferentes, acendem as estrelas ou apagam o Sol.
Quem espera em terra responde ao sal do mar com o sal das lágrimas (quando as há). Esgotadas as preces gastam e reinventam a palavra "talvez" que, segundo o poeta Albano Martins, é a única palavra que não tem casa.
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