LCD Soundsystem, “Emotional
Haircut” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=FcBsQzEQGZs
A matilha segue, ordeira. E,
todavia, não há regras a que os cães obedeçam. Parece que leem os sinais
corporais uns dos outros e cada um sabe o que fazer. Sabem que se estiverem
juntos se protegem uns aos outros. Desconfiam que se cada um for à sua vida,
ficam à mercê dos contratempos que, sozinhos, não conseguem domar. Desconfiam,
mas não têm provas de que assim será.
Juntos conseguem arranjar comida.
A diligência de um deles, que arremete por um caminho íngreme e estreito,
contra as melhores probabilidades, permite descobrir a mina. Nas traseiras de
um restaurante, há restos de comida a rodos. Os cães banqueteiam-se. Nenhum
persegue o pedaço de comida abocanhado por outro. Respeitam a ordem de chegada:
se a um deles coube maior fartura ao esquadrinhar as sobras, deixam-no com o
espólio sem o invejarem, nem o disputarem.
Conhecidos de longa data, os cães
da matilha perseveram num espírito de sobrevivência que daria que pensar a
muitos humanos (teoria número 1). Se um membro da tribo é acossado (por um
hominídeo, ou por outro animal, da mesma espécie ou de espécie diferente), os
demais não hesitam e disparam numa enfurecida correria em seu socorro. É nesta
altura que se transfiguram e mais parecem mastins possuídos pelo demónio,
mostrando os dentes atiçados e um olhar que trespassa o agressor. Se o poder
dos números não chegar, meia dúzia deles fazem como os forcados e avançam,
destemidos, para o atacante. É possível que a peleja se salde por umas quantas
feridas incisivas, ou (se a pior das hipóteses se confirmar) por baixas em
combate. Não terão sido em vão – dir-se-á, em abono do corajoso ato de defesa
do grupo. Não fosse a coragem coletiva e o primeiro passo dos mais destemidos,
o membro atacado perecia às mãos do atacante. Porventura não sabem, os da
matilha, que não sobram para a história os que dão o peito aberto em defesa do
membro fragilizado. Depois da glória efémera, fica o terreno do esquecimento
(teoria número 2).
Os que louvam a identidade de
grupo e a coragem em nome coletivo, embevecidos, oferecem o caso como exemplo.
Apressar-se-ão a ensinar o valor da solidariedade e o desprendimento de quem
está disposto a fazer da vida própria um enigma nesta equação (outra vez,
teoria número 1). Os de fora da matilha, não seguros das malhas identitárias
que se soerguem com as pertenças, desconfiam do predicado. Não entendem que uma
vida possa ser sacrificada para salvar outra vida (teoria número 2). Talvez
nunca tenham pertencido a uma matilha. Como, sem ser talvez, nunca tenha sido
dado a apreciar aos membros da matilha estas complexas coisas do pensamento que
desaguam em dilemas.
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