P. J. Harvey, “Ministry of
Defence” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=yJ0eHkDMf9U
Contra mim, a pronúncia: o direito
à indiferença política. Primeiro, a ciência política é a área onde mais faço
investigação científica. É sobre fenómenos políticos, de uma forma ou de outra,
que versam as leituras e os textos académicos. Segundo, quando ensino (como
funciona a União Europeia e como se articula com os países que dela fazem
parte), tento mobilizar os alunos usando a retórica da cidadania e da intervenção,
por minimalista que seja, através da recolha de informação que permita formar
uma opinião sobre os assuntos que têm consequências no seu bem-estar. Tento-os
convencer que não podemos ser entes abúlicos ao que se passa à nossa volta. Não
o faço com o propósito do jogo psicológico, tornando-os reféns do desconhecimento
e da não decisão, ou da decisão impossível no altar do desconhecimento e da
falta de informação – outros poderiam protestar que quem assim se comporta não
tem legitimidade posterior para reclamar contra decisões de que sejam (ou se
sintam) vítimas.
Esta retórica é para seduzir os
estudantes para matérias que ensino. Estes são tempos controversos para os
convencer a deixarem as zonas de conforto e a mergulharem no mundo pérfido da
política. Sobretudo se esse universo corresponder à putrefação dos partidos,
como se verifica se andarmos atentos aos jornais, aos noticiários na televisão
e na rádio, aos programas de debate. Esta cartelização dos meios de comunicação
social é um fator de recusa, ou de afastamento, da política. Poder-se-iam tirar
outras leituras, talvez antropológicas, talvez até filosóficas, sobre o passivo
tóxico dos partidos: de como os partidos são lugares por excelência para o
exercício do poder, e de como ambição do poder leva a fricções fratricidas, autofágicas;
ou à ostentação narcísica do poder detido, com o deleite perverso do esmagamento
do adversário como pináculo da luta pelo poder; ou, então, de como somos uma
espécie perversamente competitiva, que não hesita em derrotar o outro e em
fazer o festim de seguida como celebração efusiva, mas de um certo modo obscena,
da proeza.
Olhamos para as lutas suicidas
dentro dos partidos e para o arregimentar de alianças e vemos como os apoios se
filiam na lógica da antítese (apoiar um candidato apenas porque se tem uma
irritação pessoal com o rival, ou porque com ele há um acerto de contas ajuramentado).
Olhamos para a vida interna dos partidos e tropeçamos em deslealdades, golpes
palacianos, facas espetadas à socapa, alianças que se transformam em inimizades
(e o contrário, e vice-versa, se preciso for). E o mal, é que a política que se
faz fora dos partidos (nas políticas públicas, por exemplo), está amordaçada
pelos maus vícios legados pelos partidos – ou não fossem dirigentes e funcionários
tantas vezes colocados pelas máquinas partidárias. Até que chegamos a um ponto
em que até o vulgar comentário político, o que se faz com serventia da
democratização da opinião pública, se contamina com uma prática que parece saída
das catacumbas das primárias claques de futebol.
Há dias, em entrevista ao Público, Carla Bruni chamava a si o “direito à indiferença pela política.”
Ela lá saberá, pelos anos a fio que foi primeira-dama francesa. E, todavia, o
direito à indiferença política não deixa de ser uma escolha política. Talvez a
melhor escolha política, nestes tempos tão adversos.
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