Craig Armstrong, “Wake Up
in New York”, in https://www.youtube.com/watch?v=RJ9AgSikG7c
O doce candeeiro empresta a luz suave ao entardecer.
Está frio. Sentimos o rumor da lareira que crepita aos nossos pés. Levantamos um
copo de vinho. O vinho serve para aquecer os corpos, como se o fogo mediano da
lareira não chegasse. A luz timorata do entardecer insinua-se através da janela.
Ajuda a absorver os fogachos arrematados pela lareira. O silêncio composto só
se despoja no altar das nossas palavras e no crepitar da combustão. Afinal, os
corpos já não estão frios. Em sua entrega, entrelaçam-se numa combustão que faz
a combustão da fogueira corar de inveja. E eu digo ao entardecer para não se apressar.
Digo: que enquanto for entardecer, retemos as vigas do tempo na mordaça de que
formos autores, uma mordaça higiénica que torna o entardecer num doce
arrastamento, como se houvesse carestia em adiar a noite – talvez por sabermos
que a noite se sufraga num silêncio diferente, no silêncio que larga âncora em
demanda da embocadura do sono, sem sabermos qual é a colheita dos sonhos. Não é
que não mereçamos o sono – e os sonhos. Congraçamos na mais alta visibilidade
de nós o estatuto das paisagens que congeminamos. É como se fôssemos pintores
impressionistas que sabem emprestar a inteireza da alma às paisagens que sabem
inventar. Precisamos do entardecer iterado para compor a tela com as cores algaraviadas
que são precisas para as paisagens nosso paradeiro. A fogueira continua a ser o
sonoro pano de fundo, rimando com o entardecer invulgarmente invernal. Julgamos
que a medida do entardecer é a usura dos copos de vinho – ou, melhor dizendo, a
serventia do vinho que sorvemos, languidamente. Podemos meter uma medida
artificial pelo meio, à mercê da renovação dos copos com mais uma medida de
vinho; não interessa, desde que a artificial medida seja da nossa lavra, em
comando das ordens infundidas pela vontade que sobressai. Temos a impressão – e
não é infundamentada – que o tempo ficou suspenso no decente ergástulo da nossa
vontade. Sentimos um entardecer que quer ser imorredoiro, na exata medida do
que por nós for ordenado. Na exiguidade desse momento que fazemos nossa
quimera, continuo a dizer ao entardecer para não se demorar. Nos cálculos posteriores,
haveremos de saber tomar nota desse imorredoiro prazer.
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