Matt Johnson, “Everybody
Wants to Go to Heaven”, in https://www.youtube.com/watch?v=AQS-U8TdGaU
O aforro sem critério tem efeitos
contraproducentes.
O exemplo do cimento. Promete-se
obra não dispendiosa – talvez como ardil para arrebatar a obra que vai a leilão
público. Não se declara como vai ser conseguida tanta poupança. O concurso é
vencido. O mestre de obras já tinha uma ideia precisa, mas não revelada, de
como haveria de obter parcimoniosa construção. Os mandantes ficaram
impressionados. A obra ia ser um paradigma para os compêndios da economia da construção.
Não ocorreu esquadrinhar os planos do empreiteiro. A verdade manda dizer que
nada garantia que obtivessem respostas categóricas. O mais certo (atendendo aos
fracos pergaminhos de lisura), era o empreiteiro ocultar informação, na melhor
das hipóteses; a pior das hipóteses, era a mentira sem pudor disfarçada de não
errónea informação.
A obra começou a ser levantada. Os
operários franziam o sobrolho. (Quanto mais não seja, é a retórica conveniente
para efeitos da politicamente correta luta de classes.) Os operários têm a
consciência limpa, em antítese com os insaciáveis empreiteiros. Eles atestaram
o fraco calibre do cimento que começou a preencher as cofragens. Estava descoberto
o enigma. E como o empreiteiro tinha derrotado a concorrência: usava cimento de
terceira categoria. Sabedores da poda, os operários tinham motivos para o
sobrolho franzido. Aquele era um cimento enfezado. A obra estava comprometida. Podia
ser que durasse alguns anos antes de as primeiras fendas se notarem. A correr
bem. Ou podiam passar-se apenas uns meses e o cimento começar a esfarelar, com
a derrocada a ser possível – a correr tudo pelo pior.
Uns operários interpelaram o
capataz. Foram selvaticamente ameaçados de despedimento. Continuaram na sua
faina, obedientemente seguindo o plano amador. Um deles não suportou o sono
embutido pela má consciência. Mesmo não sendo responsável por um futuro
incidente, não se conseguia desligar de uma muito indireta cumplicidade que empobrecia
o sono. Fez finca-pé junto do capataz e não se demoveu nem com as ainda mais
furiosas ameaças do bestunto.
No dia seguinte – ó ironia do
destino! – o operário intrépido foi vítima de um acidente de trabalho. A plataforma
onde trabalhava cedeu, ainda o cimento não tinha enrijecido. Na cama do
hospital, o operário olhava para o gesso que tomara conta das pernas e dos
braços. Não sentia dores. Não sabia se era da morfina. Ou da recompensa de
saber a sua consciência feita de um cimento ainda mais rijo do que o gesso que
o imobilizava. “O tempo vindouro fará do
acerto de contas com o empreiteiro” – sussurrou. À procura do sono, deixou
cair, talvez em forma de presságio: “oxalá
o empreiteiro seja a única vítima do cimento barato.”
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