Ermo, “Vem nadar ao mar que
enterra”, in https://www.youtube.com/watch?v=c-NqxQJ4DqA
Fechei os olhos. Era insuportável
a imagem diante dos olhos. De uma violência exasperante. Preferia fechar os
olhos. E na sua penumbra, ombrear com outras, idílicas imagens à escolha. Meter
os pés em campos cobertos de flores altas, mesmo não sabendo se havia
armadilhas sob as flores, mesmo sem saber o epílogo desse campo.
Alguém contrapôs: não adianta
fingir que as arrelias não aportam à tua soleira. Não adianta mergulhar no onírico,
como se fosse por dentro dos sonhos que encontras o vago reflexo estrelar que
compõe um céu em forma de quimera. E sem demora, antes que continuasse a ser
espiolhado por exterior julgamento, antes que de fora viesse um intrusivo enxerto
de alma imaculada, virei o rosto ao aconselhamento – virei o rosto à disputa. Os
olhos mantinham-se fechados; era a minha réplica. Fortemente comprimidos contra
as pálpebras, para que nada do que o olhar pudesse traduzir viesse contaminar o
pensamento.
O corpo foi levitando para
paisagens distantes, paisagens diferentes, numa sucessão de lugares e de corpos
e de idiomas em velocidade vertiginosa. Era como se o mundo passasse diante de um
degrau à velocidade da luz, mas eu conseguisse reter na ideia a miríade de
formas e sons e sabores e pessoas que vinham no aluvião. De repente, tudo se
passava por dentro de uma tela onde o tempo paradoxalmente corria com uma
sofreguidão singular e se demorava nas arcadas onde podia recolher com as mãos as
sementes de ouro – era um lugar onde o tempo corria de feição. Era uma longa
metragem metida no espaço de uma curta metragem. Sem ver o meu corpo, sem
sentir o meu pesar, apenas como narrador das pessoas outras, dos lugares
sucessivamente demandados, na colheita dos odores e das cores que emolduravam
os lugares.
Mantinha os olhos fechados. Não
admitiam os deleites que fosse de outro modo. A curta metragem insinuava-se no
cerne de uma árvore matricial, bebendo da sua seiva funda. O olhar ainda
teimosamente fechado não sabia se a imagem excruciante ainda tinha lugar, mal espreitasse
nos interstícios da escotilha. A dádiva continuava acesa na exata medida do
crepúsculo que se deitara por dentro do olhar. Quando derrotei o medo, já devia
ter passado tempo de sobra para o esvanecer da imagem pungente. As cores eram
mais nítidas e as palavras que subiam desde a embocadura da manhã viram
tingidas por um sentido claro, insolitamente claro. O ar, enfim, era respirável.
Já não precisava de dar caça aos intrusos que pretendiam locupletar um pedaço
da minha alma.
Afinal, tudo fora uma emboscada.
E a minha resposta, um castelo hibernado para dar caução à alma.
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