The Breeders, “Divine
Hammer”, in https://www.youtube.com/watch?v=tUiP5eyx3NM
A voz de papagaio, na frente do
avião: “senhoras e senhores passageiros,
tomem atenção a esta promoção imbatível: o perfume (nome da marca) a vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos.
Aproveitem. Aconselho o perfume.” E junta, num leve tom sarcástico, mas indisfarçável:
É o que levo de prenda para a minha
mulher sempre que ela faz anos”, seguido de gargalhada breve, mas farta, de
como quem é o primeiro a rir-se da graçola de sua autoria, tomando as rédeas do
riso em cadeia dos que são contaminados pelo ufano estado do indivíduo. Minutos
depois, o comissário de bordo toma conta do microfone outra vez, para anunciar
nova venda que não é de desaproveitar: “não
conseguem encontrar o creme facial a este preço em lado nenhum. Ainda hoje de
manhã, quando fui ao (nome do supermercado) comprar pão, vi este creme ao dobro do preço”, ao que se seguiu
nova gargalhada em ato de propagação do riso aos demais.
Dir-se-ia, pelo bruaá de
gargalhadas: grande parte dos passageiros embarcaram na gargalhada. O comissário
de bordo enganou-se na profissão e devia ensaiar o stand-up comedy. E dou comigo atormentado pela aparente falta de
sentido de humor que me assaltou – ou então, não terei atribuído crédito às
capacidades humorísticas do comissário de bordo. Não vem mal nenhum ao mundo
quando a boa disposição é critério cardeal. Também não há contrariedades que se
oponham ao humor. Terá, é certo, de preexistir sentido de humor, ou a comunicação
entre o remetente e o destinatário não tem seguimento e o humor acaba gorado
num pouco mais do que um onanista exercício do putativo humorista, ou num
confrangedor instante em que o único que se ri é o humorista fracassado. Também
é certo que o humor é reflexo da subjetividade que nele se encerra. Voltando à
casa da partida: fiquei sossegado, caso me fosse dado a perceber que o sentido
de humor (ou a capacidade para o deter) de mim estaria ausente; o problema
estava no mau intérprete e na escassa qualidade do seu sentido de humor (pelo
menos pelos meus padrões, certamente questionáveis).
E que assim não fosse: admita-se,
por especulativo exercício, que andaria apartado do sentido de humor,
porventura mergulhado numa sorumbática existência que me impedisse sequer de
esboçar um sorriso ou de reconhecer credenciais de humor a quem o ensaiasse com
denodo. Que mal vem ao mundo se alguém se encerra na sua circunspeta maneira de
ser? Sobejam duas hipóteses de resposta: ou se trata de alguém que não tem razões
para sorrir ao mundo que o rodeia – e mais ninguém tem a ver com assunto; ou
trata-se, apenas, de aplicar um critério exigente quando alguém nos tenta
invadir com humor de escasso jaez.
No primeiro caso, destrua-se o
preconceito: não temos de estar permanentemente de bem com a vida e com o mundo
que nos rodeia. Essa embriaguez de otimismo antropológico é uma farsa. O mundo
está apinhado de deformidades. No segundo caso, o exigente critério deve ser louvado.
O humor, como tudo na vida, deve ser aplaudido quando é merecedor de encómios. Caso
contrário, se tudo for humor, até os circenses personagens que confundem o (seu)
sentido de humor com o (seu) risível desfile na passerelle do entretenimento
alheio, o humor deixa de ser humor, liquefeito pela sua banalização.
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