Orelha Negra, "Throwback", in https://www.youtube.com/watch?v=WB_Qp1UNCww
Uma demanda de perspetiva – ou a
renovação do prisma usado para decantar as interrogações que se colocavam. Precisava
de mudar o olhar das coisas. A encruzilhada não oferecia lídimos caminhos de
probabilidades aceitáveis. O pensamento estava cercado pelos becos sem saída em
que se enovelara. Era como se sentisse que precisava de uma calibração por fora
e por dentro, meter o conta-quilómetros a zero para desenhar tudo a partir de
uma folha em branco.
Nestas alvíssaras de uma bússola noviça,
tinha de compor a partitura das interrogações num lugar longínquo, na aparente
contrafação da solidão, num lugar de preferência empolado: tudo o que viesse ao
olhar era contributo útil; podia ser retido, ou não – mas mesmo que não fosse
retido era critério a não desprezar, a negação excluía hipóteses da nova
cartografia do ser. A procura de um solfejo de presciência, entre a tanta
desorientação fermentada no opróbrio dos contratempos, obrigava ao lugar
altaneiro.
Encontrou uma aldeia remota,
quase sem habitantes. A praça principal, onde saltava à vista o pelourinho
ancestral em bom estado tinha uma igreja centrípeta (fazendo supor que houvera
reabilitação recente, que a pedra granítica não é imune às cicatrizes de quem
se expõe ao tempo e aos elementos). Não era novidade: a religião é um bordão
que acompanhou uma fatia de leão do tempo em que há história para contar. No adro
da igreja, o olhar moveu-se na vertical, à procura da torre cimeira. Era uma
torre muito alta. Não tinha varandim que pudesse oferecer o palco precisado
para o reencontro com um módico de lucidez. Talvez se pudesse refugiar no
campanário; talvez houvesse, entre os sinos da igreja e a parede-estuque que
cobria uma camada de tijolos por sua vez assente no granito original, um
pequeno espaço que se prestasse à atalaia de que precisava.
Às escondidas, subiu ao campanário.
O entardecer, com sua luz desmaiada, não compunha uma tela baça que impedisse a
vista privilegiada sobre a paisagem que se espraiava por quilómetros e quilómetros.
Do campanário, podia estender o olhar para todos os quadrantes da
rosa-dos-ventos. Sentou-se num banco gasto, à espera de sentir o incómodo de
cada vez que os sinos fossem convocados a noticiar o andamento do tempo. Não teve
de sentir o incómodo. Os sinos estavam avariados – ou o tempo fora feito presa de
uma feérica hibernação e ele tinha todo o tempo do mundo para encomendar a
redenção de si mesmo.
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